Como Loucos no Hospício

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Em seu monumental livro “Ortodoxia”, G. K. Chesterton narra um episódio interessante a partir do qual faz toda uma crítica à filosofia e ao mundo moderno. Entendo que tal crítica é essencial para conhecermos o porquê de tantas e tantas loucuras que nos cercam. Para que o leitor possa, ele mesmo, ter acesso a essa pérola, entendo por bem colacionar a íntegra do texto a que me referi:

Se você discutir com um louco, é extremamente provável que leve a pior; pois sob muitos aspectos a mente dele se move muito mais rápido por não se atrapalhar com coisas que costumam acompanhar o bom juízo. Ele não é embaraçado pelo senso de humor ou pela caridade, ou pelas tolas certezas da experiência. Ele é muito mais lógico por perder certos afetos da sanidade. De fato, a explicação comum para a insanidade nesse respeito é enganadora. O louco não é um homem que perdeu a razão. O louco é um homem que perdeu tudo exceto a razão.”[1]

A crítica é de uma sagacidade e de uma profundidade que somente um Chesterton poderia atingir.

Em geral, tem-se a impressão de que um louco (ou, ao menos, aquele louco típico, que julga ser Napoleão ou Cleópatra) é um sujeito que perdeu a razão. Chesterton, num de seus paradoxos geniais, sustenta que tal louco, ao contrário, não é alguém que perdeu a razão (debater com um sujeito desses na tentativa de convencê-lo não ser Napoleão é tarefa que nem Sócrates conseguiria levar a bom termo), mas, em suma, alguém que perdeu coisa diversa. O louco é alguém que perdeu o contato com realidade, ficando apenas com sua razão girando num mundo que somente existe dentro de sua mente.

A crítica às filosofias modernas contida nesse pequeno trecho de Chesterton é devastadora. Ao menos desde Kant, o Ocidente tem virado as costas para a realidade das coisas. O homem ocidental tem, cada vez mais, apegado-se  a teorias (e, nos tempos modernos, a ideologias), sem preocupar-se minimamente em confrontá-la com a realidade no intuito de observar se essa a sustenta e a confirma. O ocidental contemporâneo é como o Napoleão do hospício mais próximo, comprazendo-se em traçar estratégias para a Batalha de Waterloo sem ao menos perguntar se existe uma batalha concreta em vias de ser travada.

O fenômeno (como já assinalamos), não é novo. Já no século XVIII, ele estava presente e deixava boquiaberto qualquer um que se dispusesse a analisá-lo. A charge acima exposta (“French Liberty, British Slavery”) é de James Gillray, um britânico que fez um enorme sucesso com suas charges e que viveu entre os Anos da Graça de 1.756 e 1.815. Conta-se que ser desenhado por ele (ainda que em situações ridículas), era atestado de relevância pública, razão pela qual ninguém se importava com o fato de ser ridicularizado em suas charges. E, como, por definição, uma charge é uma crítica bem humorada da realidade, um chargista é necessariamente alguém vacinado (em algum grau, ao menos) contra a alienação dessa mesma realidade que os sistemas de pensamento moderno visam impor.

Na charge em questão, temos à esquerda, um francês esfarrapado. Come cebolas murchas. Sua casa é paupérrima e mal consegue ele manter vivo o fogo da lareira. Vive num país que enfrentava uma revolução (a “gloriosíssima” Revolução Francesa) e que se afundara na miséria justamente devido aos desmandos e à insanidade dos revolucionários.

 À direita, temos um britânico gorducho. Está a se banquetear. O único problema de sua vida, aparentemente, é o excesso de bens que o cercam. Vive num país de prosperidade econômica e de liberdade de pensamento.

No entanto, o esfarrapado afirma viver numa terra que mana leite e mel (“Oh! Santo Deus! Abençoada seja a Liberdade. Viva a Assembleia! – sem impostos! nem escravidão!- todos os cidadãos livres. Ah, ah! Deus, como vivemos bem! Nadamos em leite e mel[2]), enquanto que o gorducho crê piamente que seu governo o está matando de fome (“Ah! Esse maldito governo! Eles vão nos arruinar com seus malditos impostos! Por que, oh Deus, querem nos fazer de escravos e matar-nos de fome![3]).

Ambos os personagens entretêm-se com suas ideias (o francês esfarrapado, com a ideia de que a Revolução fora boa para seu povo e de que dela nascia um país melhor e mais próspero; o britânico gorducho, com a ideia de que vivia num país de injustiças e no qual se passava fome), sem minimamente abrirem os olhos à realidade que os cercava e que lhes dizia (na verdade, gritava-lhes) coisas bens diversas. Ao francês, dizia que aquela porcaria de Revolução fora algo de vergonhoso na história de seu país e que a pobreza e a fome grassavam em razão desse passo mal dado; ao britânico, dizia que, em que pese alguma imperfeição da sociedade em que vivia, seu país de então era um oásis de progresso e de desenvolvimento, razão de inveja para as demais nações do mundo.

Desde a época de Gillray, a situação só fez piorar e o apego do homem moderno a teorias e ideologias (com sua consequente a ojeriza à realidade) parece invencível.

São esses apego e ojeriza, por exemplo, que explicam o porquê de, malgrado os retumbantes fracassos e as centenas de milhões de vítimas advindos das revoluções marxistas e malgrado o desenvolvimento material sem precedentes do mundo capitalista contemporâneo, as pessoas insistem em flertar com o comunismo enquanto acusam os países economicamente livres de disseminar a pobreza mundo afora. Essa insistência em levarem-se adiante o fracasso e o genocídio enquanto se tenta destruir justamente o substrato econômico que permitiu um enorme avanço material das nações nos últimos duzentos anos é um exemplo clássico desse apego doentio a uma ideia (no caso, a de que o comunismo fará brotar um mundo justo e solidário) e um desprezo literalmente insano da realidade (no caso, a de que o comunismo sempre e necessariamente destrói a prosperidade de um país e a soterra sob uma multidão de cadáveres).

Esse comportamento, naturalmente, não é algo que se mantém limitado à atuação política das pessoas. O desprezo da realidade é algo tão universalmente difundido, que o podemos ver em todos os cantos. Inclusive, naturalmente, no direito e no dia a dia forense.

Um exemplo claro e que nos toca de perto é a questão da melhor via de combate à criminalidade.

Qualquer um que não tenha perdido o contato com a realidade das coisas perceberá, sem maiores dificuldades, que o combate à criminalidade se faz, sobretudo, com a punição exemplar dos criminosos. Já falamos aqui nesse blog sobre as razões da criminalidade galopante instalada na sociedade brasileira e sugerimos a leitura do artigo aos mais recalcitrantes. Contudo, existe uma teoria “bacaninha” segundo a qual a criminalidade mais será combatida quanto menos a combatermos. À medida que diminuirmos a punição dos criminosos, veremos nascer uma sociedade com menos crimes; ou, aos menos, é isso que tais pensadores nos garantem.

Décadas de implantação sistemática desse pensamento imbecil resultaram num dos países mais violentos do mundo. Se a teoria já era falha a qualquer pessoa de bom senso, seu confronto com a realidade deveria bastar para que fosse sumariamente lançada fora e pisada como uma das piores que um cérebro humano já concebeu.

Contudo, seus defensores seguem impávidos. Inabaláveis. Confiantes a não mais poder. Seguem, em suma, distraindo-se com ela, desprezando a realidade, que a desmente ao menos uma vez a cada dois minutos.

O maior problema desse apego às ideias reside no fato de que todos nós vivemos justamente no mundo real, que desprezamos. É a realidade que bate em nossas portas todos os dias, compelindo-nos e exigindo de nós respostas adequadas àquilo que ela nos propõe. Por mais que queiramos, não podemos nos desprender dela e, ainda que tentemos ignorá-la, ela nos cobra seu preço. Para ficarmos nos exemplos aqui dados, por mais que alguns gostem das ideias comunistas, experiências comunistas reais continuarão a produzir cadáveres às centenas de milhões e a destruir as economias dos desafortunados países em que se instalarem; e, por mais que se queira o contrário, a insistência na impunidade continuará produzindo doses ainda maiores de crimes, transformando a vida comum do cidadão brasileiro numa insegurança sem fim.

No mundo atual, urge, pois, que todos (especialmente nós, magistrados) voltemos nossos olhares atentos à realidade das coisas e que nos desintoxiquemos um pouco das teorias malucas que nos inocularam nas faculdades e nos cursos de pós-graduação. Proceder assim fará um bem enorme a nós mesmos e à nossa atividade jurisdicional.

Temo, contudo, que poucos darão ouvidos a esse apelo, pois, por definição, o Napoleão e a Cleópatra do hospício mais próximo estão alienados demais até mesmo para perceber sua condição de malucos. Donde se espera que farão ouvidos moucos e insistirão, tal qual um conhecido personagem de televisão, a proclamar em alto e bom tom: “eu sou normal!”

Dito isso, haveria, agora, que se voltar a atenção a um outro tipo de louco, ainda mais perigoso.

Esse não se encaixa nem na descrição de Chesterton nem na charge de Gillray.

Trata-se daquele que, embora conheça a realidade das coisas, julga poder alterá-la. É o louco que já não se contenta em ser Napoleão ou Cleópatra. Alienou-se, num primeiro momento, a tal ponto do mundo real que julga ser Deus em pessoa e, voltando-se agora à realidade que o cerca, crê firmemente poder mudar a natureza das coisas e atua nessa direção. É um louco, portanto, muito mais perigoso. Há também exemplares deles no Poder Judiciário. Mas esse artigo já vai longe e penso, para não enlouquecer o leitor, ser melhor tratar dessa loucura qualificada numa próxima ocasião.

[1] Fonte: https://sumateologica.files.wordpress.com/2009/07/chesterton_-_ortodoxia.pdf

[2] Tradução livre do texto original: “O Sacre Dieu! – vat blessing be de Liberte vive le Assemblè Nationale! – no more Tax! no more Slavery! – all Free Citizen! ha hah! by Gar, how ve live! – ve svim in de Milk & Honey!”.

[3] Tradução livre do texto original: “Ah! this cursed Ministry! they’ll ruin us, with their damn’d Taxes! why, Zounds! – they’re making Slaves of us all, & Starving us to Death!”

O Novo CPC no âmbito constitucional: harmonias e eventuais desarmonias (ou problemas) da lei nova à CF. Discussão sobre as funções do Estado na Doutrina Social da Igreja, na ordem constitucional posta e nas diretrizes do novo processo civil

O novo Código de Processo Civil foi concebido, de acordo com sua Exposição de Motivos, tendo em vista cinco objetivos, e o primeiro deles é “estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal”. Em razão disso, foram incluídas no Código, em seus doze primeiros artigos, as chamadas “normas fundamentais do processo civil”, extraídas da Constituição Federal, da legislação infraconstitucional e da doutrina.

Assim, o art. 3º do CPC está relacionado ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF); os artigos 4º e 6º, aos da celeridade e da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF); os artigos 7º, 9º e 10º, aos da isonomia, contraditório e ampla defesa (art. 5º, caput e LV, da CF); o art. 8º, aos da legalidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, da CF), razoabilidade e proporcionalidade (considerados pela doutrina administrativista como implícitos na CF), dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e atenção aos fins sociais e exigências do bem comum (art. 5º do Decreto-Lei n. 4.657, de 4.9.1942 – antiga LICC, hoje LINDB); o art. 11, ao da publicidade dos atos processuais (art. 5º, LX, e art. 93, IX, ambos da CF); o art. 2º, aos da inércia da jurisdição e do impulso oficial (correspondente ao art. 262 do código revogado); e enfim, o art. 5º, ao princípio da boa-fé (correspondente ao art. 14, II, do código revogado).

De novidade entre essas “normas fundamentais”, portanto, há apenas o art. 12 do CPC, que estabeleceu o até então desconhecido “princípio da cronologia”, que encontra um paralelo no “princípio da ordem cronológica de apresentação dos precatórios” (art. 100 da CF).

Chamam a atenção algumas omissões nesses artigos. Levando-se em conta os princípios enumerados por Nelson Nery Júnior na obra Princípios do processo na Constituição Federal[1], verifica-se que não há nesse Capítulo do novo código qualquer menção à coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CF), nem ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), nem ao do juiz natural (art. 5º, LIII, da CF), nem ao da proibição da prova ilícita (art. 5º, LVI, da CF), nem ao do duplo grau de jurisdição (decorrente da estrutura do Poder Judiciário delineada na CF), nem ao da motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF).

Para Nery[2], dois são os princípios de processo na Constituição Federal: a coisa julgada e o devido processo legal, sendo que deste último decorrem dez princípios derivados: a) isonomia; b) juiz e promotor natural; c) inafastabilidade do controle jurisdicional; d) contraditório e ampla defesa; e) proibição da prova ilícita; f) publicidade dos atos processuais; g) duplo grau de jurisdição; h) motivação das decisões judiciais e administrativas; i) presunção de não culpabilidade (relativo ao processo penal) e j) celeridade e duração razoável do processo.

Naturalmente, não se pode deduzir desarmonia entre o CPC e a CF pelo simples fato de alguns princípios constitucionais terem sido escolhidos para receber o solene epíteto de “norma fundamental” e para compor o primeiro Capítulo do Código de Processo Civil e outros, não. A coisa julgada, por exemplo, embora esquecida no Capítulo primeiro, foi tratada nos artigos 502 a 508 e artigo 496 do CPC. Porém, como um Capítulo dessa natureza era absolutamente desnecessário, tanto que não o havia nos códigos precedentes, a opção por colocá-lo, seguida da eleição de apenas alguns dos princípios constitucionais aplicáveis ao processo civil, acabou por estabelecer na prática, por meio de lei ordinária, uma hierarquia entre princípios constitucionais (os que são “normas fundamentais do Processo Civil” e os que não o são), o que soa absurdo.

Qual o critério para privilegiar uma norma constitucional em detrimento de outra?

Por exemplo, por que razão não se concede o título de “norma fundamental” à indiscutivelmente importantíssima coisa julgada?

Aliás, sendo a coisa julgada, segundo Nery, “elemento de existência do estado democrático de direito”[3], por que não se tratou melhor dela no novo CPC?

A definição de coisa julgada do atual art. 502 do CPC é bastante próxima da do art. 467 do CPC/1973: “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”. As diferenças consistem no uso das palavras “autoridade” em vez de “eficácia” e “decisão de mérito” em vez de “sentença”; e na supressão das palavras “ordinário ou extraordinário” logo após a palavra “recurso”.

Tanto o uso da palavra “autoridade” como da expressão “decisão de mérito” tornaram, é verdade, mais técnica a redação desse artigo.

De fato, a eficácia de uma decisão de mérito não se confunde com a coisa julgada, pois uma decisão de mérito pode ser eficaz antes mesmo do trânsito em julgado, nas hipóteses de execução provisória e de hipoteca judicial; e, além disso, a eficácia de uma decisão de mérito pode ser mutável, já que as partes podem descumpri-la, convencionando diversamente do que nela está contido.[4]

E não apenas as sentenças fazem coisa julgada, como também os acórdãos, as decisões monocráticas de relatores e as decisões interlocutórias de mérito.[5]

As palavras “ordinário ou extraordinário” em seguida à palavra “recurso” eram evidentemente expletivas, o que explica a sua supressão. E, se fosse o caso de mantê-las, seria preciso acrescentar também as palavras “especial” (o STJ foi criado posteriormente à redação original do art. 467 do CPC/1973) e “ex officio” (de acordo com a Súmula 423 do STF, o recurso ex officio se considera interposto ex lege).

Aliás, em toda a Seção que trata da coisa julgada no CPC/2015 (artigos 502 a 508 e art. 496 deslocado para a nova Seção – Remessa Necessária) as alterações foram meramente redacionais, salvo os dois parágrafos do art. 503, sem correspondência no art. 468 do CPC de 1973, que tratam das decisões interlocutórias de mérito.

Há tanto no corpo do CPC quanto na legislação extravagante algumas hipóteses de abrandamento da coisa julgada: ação rescisória, impugnação ao cumprimento da sentença[6], revisão criminal e ação proposta após julgamento anterior secundum eventum probationis (Código de Defesa do Consumidor[7], Lei de Ação Popular[8], Lei de Ação Civil Pública[9]).

Todas essas hipóteses, segundo a doutrina tradicional, são taxativas.

Afirma Nery: “O risco político de haver sentença injusta ou inconstitucional no caso concreto parece ser menos grave do que o risco político de instaurar-se a insegurança geral com a relativização (rectius: desconsideração) da coisa julgada”. Ou, na frase de Araken de Assis: “Parece pouco provável que as vantagens da justiça do caso concreto se sobreponham às desvantagens da insegurança geral”.[10]

Entretanto, segundo Cândido Rangel Dinamarco: “Em casos de extrema gravidade, tendo a sentença ou acórdão sido o resultado de uma fraude muito grave ou transgredido direitos ou valores de elevado nível político, social ou humano, parte da doutrina e da jurisprudência aceita que a autoridade da coisa julgada seja desconsiderada, com a possibilidade de propositura de uma demanda destinada a obter um resultado diferente do ditado nessa sentença ou acórdão (relativização da coisa julgada).[11]

Os casos mais evidentes em que isso pode ocorrer são os de ação investigatória de paternidade e de ação negatória de paternidade. Suponha-se, por exemplo, que posteriormente ao trânsito em julgado e ao prazo para a propositura de ação rescisória de uma ação investigatória de paternidade julgada improcedente, se comprove mediante exame de DNA, inexistente à época em que a ação foi julgada, que o réu era de fato o pai do autor.

Não teria valido a pena um aperfeiçoamento da disciplina da coisa julgada para evitar, por um lado, a insegurança jurídica que a absurda criação de exceções à coisa julgada pela via da jurisprudência proporciona; e por outro, a flagrante injustiça das situações que abriram as portas a essas exceções introduzidas por via judicial?

O modo como a Igreja disciplina a coisa julgada poderia servir de modelo para evitar tais inconvenientes.

Já Graciano, o Pater Scienciae Canonicae, Professor de Teologia Externa da Universidade de Bolonha, em 1140, no seu Decreto, que é a compilação de textos da Sagrada Escritura, da Patrística, das Decretais Pontifícias, dos Cânones Conciliares e outros, proclamava: Sententia definitiva obtinet auctoritatem rei iudicatae.[12]

Para o Direito Canônico (Cân. 1.641), há quatro situações que ensejam a res iudicata: a) duplex sententia conformis; b) preclusão dos prazos recursais; c) perempção ou renúncia em grau de apelação; e d) inadmissibilidade de recurso. A duplex sententia conformis, instituída em 1741 pelo Papa Bento XIV, consiste na “existência de duas sentenças sucessivas, com o mesmo conteúdo, proferidas por tribunais de diferentes graus de jurisdição, em um mesmo processo, sobre a mesma demanda (com identidade de causa petendi e de petitum), pendente entre as mesmas partes”. Daí decorre que, na hipótese de as sentenças de primeiro e de segundo grau divergirem entre si, é necessário um terceiro julgamento para que ocorra o trânsito em julgado. Existe, por exemplo, inadmissibilidade de recurso, afastando-se, portanto, a necessidade de duplex sententia conformis, se o julgamento for proferido pelo próprio Sumo Pontífice ou pelo Tribunal da Assinatura Apostólica (Cân. 1.629, 1º); e também se o direito determina que uma causa deva ser decidida “com a máxima rapidez” (Cân. 1.629, 5º). Nesses casos não cabe apelação.

Para a hipótese de “injustiça notória”, o Direito Canônico (Cân. 1642) prevê rescisão do julgado por meio da restitutio in integrum. A restitutio in integrum já era prevista no Decreto de Graciano (3.2.1) como remédio contra as sentenças válidas, mas iníquas.[13]

E não faz coisa julgada a sentença de statu personarum, inclusive sobre separação de cônjuges (Cân. 1643). Nessas ações, pode-se a qualquer tempo recorrer ao Tribunal de Apelação, apresentando novis gravibus probationibus vel argumentis.

Vale transcrever a lição de José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo: “O sistema processual canônico não pode pretender atingir uma perfeição formal deixando de considerar o fundamento teológico de seus institutos. Assim, diferentemente do que sucede no direito temporal, no qual, com a autoridade da coisa julgada, o conflito entre segurança (certeza do direito) e justiça (verdade formal), resolve-se a favor da segurança, no âmbito do direito canônico, sacrifica-se o princípio da certeza para satisfazer um imperativo de ordem religiosa derivado do direito divino: a exigência da justiça e da verdade objetiva. A ratio peccati e o periculum animae é que justificam a derrogação da regra do trânsito em julgado da sentença canônica de statu personarum, que se encontra, portanto, sempre sujeita à revisão”[14].

Vemos aqui que essa norma canônica poderia ter inspirado nossos legisladores a instituir a ação de statu personarum como uma exceção legal à coisa julgada, evitando que os tribunais, por hermenêutica, estabelecessem precedentes em matéria tão grave que só poderia ser prevista em rol numerus clausus.

Voltando aos artigos iniciais do CPC, merece ser observado que o inoportuno art. 10 rejeita o tradicional axioma iura novi curia. Se um juiz se vê diante de matéria sobre a qual deve decidir de ofício e já formou seu convencimento, não faz sentido mandar que as partes se manifestem sobre ela.

E note-se que uma norma esdrúxula dessas foi elevada à condição de “norma fundamental” em detrimento de normas que constam na Constituição Federal. É certo que tal norma se relaciona com o princípio da ampla defesa; porém, dando-lhe uma extensão que nunca teve anteriormente.

Por exemplo. O juiz recebe uma ação popular proposta por pessoa jurídica. É claríssima a ilegitimidade ativa, tanto que há Súmula do STF (365) nesse sentido e a Lei 4.717/65 exige que a petição inicial venha acompanhada do título de eleitor (art. 1º, § 3º). Qual o sentido de se mandar a autora se manifestar sobre “eventual ilegitimidade ativa” antes de se extinguir o processo? Ou, pior ainda, o juiz não percebe a ilegitimidade e recebe essa petição inicial, cita a parte contrária, a qual se esquece de arguir a preliminar de ilegitimidade ativa e se defende apenas no mérito. O processo segue com réplica, especificação de provas, saneador (no qual o juiz novamente não percebe a ilegitimidade ativa), perícia, audiência de instrução e julgamento (na qual o juiz pela terceira vez não se dá conta da ilegitimidade ativa), os debates são substituídos por memoriais sem que ninguém toque no assunto e finalmente, quando os autos voltam conclusos para sentença, o juiz vê finalmente que não pode apreciar o mérito. É razoável não sentenciar e dar um despacho para que as partes se manifestem sobre isso? E se o juiz também não percebe na sentença e o processo vai para o Tribunal com uma apelação sem o assunto seja mencionado? E se no Tribunal é apenas o revisor quem finalmente percebe?

Voltando ao tema deste estudo, verifica-se que o art. 8º do CPC misturou vários princípios do direito administrativo com dois conceitos extraídas da Lei de Introdução ao Código Civil, hoje Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, muito caros à Doutrina Social da Igreja: o bem comum e os fins sociais.

O bem comum foi definido pelo Papa São João XXIII na Pacem in terris: “Todo o cidadão e todos os grupos intermediários devem contribuir para o bem comum. Disto se segue, antes de mais nada, que devem ajustar os próprios interesses às necessidades dos outros, empregando bens e serviços na direção indicada pelos governantes, dentro das normas da justiça e na devida forma e limites de competência. Quer isso dizer que os respectivos atos da autoridade civil não só devem ser formalmente corretos, mas também de conteúdo tal que de fato representem o bem comum, ou a ele possam encaminhar”[15]. “O bem comum diz respeito ao homem todo, tanto às necessidades do corpo como às do espírito. Procurem, pois, os poderes públicos promovê-lo de maneira idônea e equilibrada, isto é, respeitando a hierarquia dos valores e proporcionando, com os bens materiais, também os que se referem aos valores espirituais”[16].

Então o Pontífice retoma a definição de bem comum que havia proposto em Mater et magistra: “consiste no conjunto de todas as condições da vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”[17].

A função social, por sua vez, foi definida pelo Papa Leão XIII na Rerum novarum: “Quem quer que tenha recebido da divina Bondade divina maior abundância, quer de bens externos e do corpo, quer de bens da alma, recebeu-os com o fim de os fazer servir ao seu próprio aperfeiçoamento, e, ao mesmo tempo, como ministro da Providência, ao alívio dos outros. ‘E por isso, que quem tiver o talento da palavra tome cuidado em não se calar; quem possuir superabundância de bens, não deixe a misericórdia entumecer-se no fundo do seu coração; quem tiver a arte de governar, aplique-se com cuidado a partilhar com seu irmão o seu exercício e os seus frutos’”[18]. A função social da propriedade privada deriva da natureza mesma do direito de propriedade.

Logo, os “fins sociais” e o “bem comum” foram postos no novo CPC a par de algumas seletas normas constitucionais como critério interpretativo do ordenamento jurídico. É bem verdade que isso era despiciendo, pois já eles estavam na LICC, assim como era despicienda, para não dizer criticável, a repetição de dispositivos constitucionais. Porém, aí está uma harmonia, por assim dizer, entre o novo CPC e a Doutrina Social da Igreja.

Já o papel do Estado, tal como delineado na Doutrina Social da Igreja, está em confronto sob muitos aspectos com aquele instituído pela CF.

A Igreja definiu como deve ser o Estado na Encíclia Immortale Dei, de Leão XIII.

A autoridade é necessária à sociedade. Deus criou o homem para que ele vivesse em sociedade. Isolado, o homem não pode se proporcionar o que é necessário e útil à vida, nem adquirir a perfeição do espírito e do coração. A perfeição da existência, o homem só a alcança na sociedade, tanto doméstica quanto civil. Porém, a Providência dispôs que toda sociedade precisa de uma autoridade para regê-la. Logo, tanto a sociedade quanto a autoridade procedem da natureza e, por consequência, têm a Deus como autor. É por isso que “todo poder vem de Deus”[19].

A forma de governo, contanto que seja de fato apta à utilidade e ao bem comum, não importa. Entretanto, é indispensável que os chefes de Estado tenham a Deus por modelo. Os “depositários” da autoridade (note-se bem essa expressão) devem ser como que uma imagem do poder de Deus sobre o gênero humano e de Sua Providência. E como é o governo de Deus? É menos o governo de um Senhor que o de um Pai. A justíssima autoridade de Deus está associada à bondade paternal. Logo, toda e qualquer autoridade não pode, sob nenhum pretexto, servir à vantagem de um só ou de um grupo. Ela foi constituída para o bem comum[20].

Uma autoridade assim exercida, segundo o Papa, “arrastará a homenagem voluntária do respeito dos súditos”. Estes, convencidos de que a autoridade dos soberanos vem de Deus, “sentir-se-ão obrigados em justiça a acolher docilmente as ordens dos príncipes e a lhes prestar obediência e fidelidade, por um sentimento semelhante à piedade dos filhos para com os pais”[21].

Daí que “sacudir a obediência e revolucionar a sociedade por meio da sedição é um crime de lesa-majestade, não só humana, mas divina”[22].

Fundada a sociedade sobre tais princípios, ela deve, sem falhar, prestar culto público a Deus. “Unidos pelos laços de uma sociedade comum, os homens não dependem menos de Deus do que tomados isoladamente”. Tanto quanto cada indivíduo, a sociedade deve dar graças a Deus, “de quem recebe a existência, a conservação e a multidão inumerável dos seus bens”. Uma sociedade não pode, sem cometer crime, comportar-se como se Deus não existisse, como se a religião lhe fosse coisa estranha ou inútil, ou admitindo uma religião ou outra indiferentemente. “A sorte do Estado depende do culto que se tributa a Deus: e há entre ambos numerosos laços de parentesco e amizade”[23].

Um dos principais deveres dos chefes de Estado é ter por santo o Nome de Deus e favorecer a verdadeira religião, protegê-la com sua benevolência, cobri-la com a autoridade tutelar das leis e nada estatuírem ou decidirem que seja contrário à integridade dela. Porque a Igreja tem um fim muito mais nobre do que qualquer outro, o seu poder prevalece sobre todos os outros poderes e de modo algum ela pode ser inferior ou sujeita ao poder civil[24].

É à Igreja, e não ao Estado, que pertence guiar os homens à felicidade celeste. Mas Deus dividiu o governo do gênero humano entre o poder eclesiástico e o civil. Um preposto às coisas divinas, o outro, às humanas. Cada um desses poderes, no seu gênero, é soberano. Cada um está encerrado em limites perfeitamente determinados e traçados em conformidade com a sua natureza e com o seu fim especial. Cada qual exerce a sua ação iure proprio em uma esfera circunscrita. Porém, como pode suceder que sobre uma só e mesma coisa incidam, a título diferente, as duas jurisdições, é necessário que haja entre os dois poderes um sistema de relações bem ordenado, análogo àquele que no homem constitui a união da alma com o corpo. Então, naquilo que diz respeito ao culto de Deus e à salvação das almas incide a autoridade da Igreja; naquilo que diz respeito à ordem civil e política, incide a autoridade civil. E em certas matérias os Sumos Pontífices e os chefes de Estado devem se por em acordo[25].

É preciso que os homens, no “encaminhamento incerto e penoso para a cidade eterna”, tenham a seu serviço guias seguros para conduzi-los à meta, e auxiliares para atingi-la; e ainda outros chefes que “lhes foram dados para obter e conservar a segurança, os bens e as outras vantagens da vida”[26].

Em seguida o Papa descreve, citando Santo Agostinho, os efeitos benéficos da Igreja sobre o Estado. Dirigindo-se à Igreja, o santo diz: “(…) Ensinas os reis a velarem sobre os povos, e prescreves aos povos submeterem-se aos reis. Ensinas com cuidado a quem é devida a honra, a quem a afeição, a quem o respeito, a quem o temor, a quem a consolação, a quem a advertência, a quem o incentivo, a quem a correção, a quem a reprimenda, a quem o castigo; e fazes saber como, se nem todas essas coisas são devidas a todos, a todos é devida a caridade, e a ninguém a injustiça”[27].

Noutra citação de Santo Agostinho, o Papa exclama: “Dêem-nos um exército de soldados tais como os faz a doutrina de Cristo, dêem-nos tais governadores de províncias, tais maridos, tais esposas, tais pais, tais filhos, tais mestres, tais servos, tais reis, tais juízes, tais contribuintes, enfim, tais agentes do Fisco como os quer a doutrina cristã. E então ousem ainda dizer que ela é contrária ao Estado! Muito antes, porém, não hesitem em confessar que ela é uma grande salvaguarda para o Estado quando é seguida”.

Segue-se a conhecidíssima passagem: “Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições e os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a religião de Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda a parte era florescente, graças ao favor dos príncipes e à proteção legítima dos magistrados. Então o sacerdócio e o império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda a expectativa, frutos cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer. Se a Europa cristã domou as nações bárbaras e as fez passar da ferocidade para a mansidão, da superstição para a verdade; se repeliu vitoriosamente as invasões muçulmanas, se guardou a supremacia da civilização, esse, em tudo que faz honra à humanidade, constantemente e em toda a parte se mostrou guia e mestra; se brindou os povos com a verdadeira liberdade sob essas diversas formas, se sapientissimamente fundou uma multidão de obras para alívio das misérias; é fora de dúvida que, assim, ela é grandemente devedora à religião, sob cuja inspiração e com cujo auxílio empreendeu e realizou tão grandes coisas. Todos esses bens durariam ainda se o acordo dos dois poderes houvesse perseverado, e havia razão para esperar outros ainda maiores, se a autoridade, se o ensino, se os conselhos da Igreja tivessem encontrado uma docilidade mais fiel e constante”[28].

A partir daí o Papa descreve os princípios e fundamentos do que ele chamou de “direito novo”, em oposição ao direito cristão e ao direito natural: Todos os homens são semelhantes e, ipso facto, iguais entre si na prática da vida. Cada homem depende só de si e de modo algum está sujeito à autoridade de outrem. Todo homem pode, com toda a liberdade, pensar sobre qualquer coisa o que quiser e fazer o que lhe aprouver. Ninguém tem o direito de mandar nos outros. A autoridade pública é apenas a vontade do povo, o qual, só de si mesmo dependendo, é também o único a mandar em si. O povo escolhe seus mandatários, mas de tal sorte que lhes delega menos o direito do que a função do poder, para exercê-la em seu nome. A soberania de Deus é passada em silêncio, como se Deus não existisse, ou não se ocupasse em nada com o gênero humano; ou então como se os homens, quer em particular, quer em sociedade, não devessem nada a Deus, ou como se pudesse imaginar-se um poder qualquer cuja causa, força e autoridade não residisse inteira no próprio Deus. Se o Estado não é outra coisa senão uma multidão soberana que se governa a si mesma, o Estado não tem nenhuma obrigação para com Deus, não professa oficialmente nenhuma religião, não é obrigado a perquirir qual a única verdadeira entre todas, nem a favorecer uma principalmente, mas a todas deve atribuir igualdade de direitos, com o fim apenas de impedi-las de perturbar a ordem pública. Cada um é livre de se fazer juiz de qualquer questão religiosa, de abraçar a religião que prefere, ou nenhuma, se lhe agradar. A religião católica pode ser colocada em pé de igualdade, ou mesmo em situação de inferioridade, com sociedades que lhe são estranhas. Interdita-se à Igreja, que recebeu de Jesus Cristo a ordem e missão de ensinar, a instrução pública. O Estado estende sua jurisdição sobre os casamentos dos cristãos, decretando leis sobre o vínculo conjugal, sua unidade e estabilidade. A Igreja deve ser expulsa da sociedade, ou mantida sujeita e acorrentada ao Estado. Como os chefes dos governos são meros delegados da vontade do povo, é um direito político levantar sedições, já que tudo pode mudar ao sabor do povo[29].

Quantos desses princípios, e outros dos quais ainda não se cogitava no século XIX mas que são na verdade meros desenvolvimentos deles, não estão impregnados no direito brasileiro contemporâneo? Basta pensarmos em união estável, aborto, ideologia de gênero, “casamento homossexual” etc.

Na sequência o Papa refuta cada um desses princípios contrários á doutrina da Igreja. Em especial, trata das necessárias relações entre Estado e Igreja, ressaltando que essas relações não contrariam o tradicional princípio pelo qual as demais religiões devem ser toleradas e ninguém pode ser obrigado a se fazer católico[30].

Posteriormente, o Papa Pio XI, na Encíclica Quadragesimo anno, reafirmou o importantíssimo princípio da subsidiariedade do Estado: “Permanece, contudo, imutável aquele solene princípio da filosofia social: assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e indústria, para o confiar à coletividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores podiam conseguir, é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, não destruí-los nem absorvê-los”[31].

O objeto deste estudo são as harmonias e eventuais desarmonias entre o CPC, a CF e a Doutrina Social da Igreja. As harmonias são poucas, as desarmonias muitas, mas a própria Doutrina Social da Igreja ensina que isso não é motivo para desânimo e aponta o método para reverter essa situação. E ao contrário de todos os revolucionários, com suas ideologias e utopias, o método que ela propõe tem comprovação histórica de sua eficácia. Leão XIII encerra a Immortale Dei com a lembrança do que ocorreu com o Império Romano pagão, cujas máximas e costumes eram o que havia de mais distante das máximas e costumes do Evangelho. Todavia, no meio de toda aquela superstição, os cristãos, incorruptíveis, com fidelidade exemplar aos príncipes e “uma obediência às leis do Estado tão perfeita como lhes era lícito”, atraindo outros apenas com o brilho da santidade, estavam dispostos a morrer para não vulnerar a consciência mas, quando possível, conservando as honras, as magistraturas e os cargos militares, foram introduzindo rapidamente as instituições cristãs nos lares domésticos, nos acampamentos, nas cúrias e até no palácio imperial. Tanto que, quando finalmente foi permitido professar publicamente o Evangelho, a fé cristã apareceu em grande número de cidades “não em vagidos ainda, porém forte e já cheia de vigor”. Se hoje houver católicos dignos desse nome, que se determinem a ser e a se mostrar como filhos dedicados da Igreja, que sejam capazes de repelir sem hesitar tudo o que for contrário à Fé, mas que, por outro lado, tanto quanto o possam fazer sem prejuízo de sua consciência, se sirvam das instituições públicas em proveito da verdade e da justiça, trabalhando para que “a liberdade não exceda o limite traçado pela lei natural e divina, então a constituição do Estado poderá ser conduzida a uma forma cristã[32].

O modo de se fazer isso pode variar conforme as circunstâncias de tempo e lugar, mas o que deve permanecer inalterável é o assentimento às doutrinas ensinadas pela Igreja e o resguardar-se de conivência com falsas opiniões, “ou de combatê-las mais molemente do que comporta a verdade”[33].

Por fim, nestes terríveis tempos de judiciocracia, convém encerrar este estudo com uma máxima do Decreto de Graciano que talvez seja necessário inscrever nas fachadas dos Tribunais: Non secundum propriam voluntatem sed secundum leges sententia est proferenda. (Decreto de Graciano, 11.3.70)[34].

[1] N. Nery Júnior, Princípios do processo na Constituição Federal, São Paulo, RT, 2016, 12ª ed. Deixei de mencionar nesse rol o princípio da presunção de não culpabilidade, também estudado por esse autor, que, por ser próprio do processo penal, não caberia mesmo no Código de Processo Civil.

[2] N. Nery Júnior, Op. cit..

[3] N. Nery Júnior, Op. cit., p. 64.

[4] N. Nery Júnior, Op. cit., p. 79-80.

[5] D. Amorim Assumpção Neves, Novo CPC, São Paulo, Método, 2015, 1ª ed., p. 315.

[6] CPC, art. 525, § 1º

[7] CDC, art. 103

[8] LAP, art. 18

[9] LACP, art. 16

[10] N. Nery Júnior, Op. cit., p. 87

[11] C. Rangel Dinamarco e B. Vasconcellos Carrilho Lopes, Teoria geral do novo processo civil, São Paulo, Malheiros, 2016, p. 224.

[12] J. R. Cruz e Tucci e L. C. de Azevedo, Lições de processo civil canônico, RT, São Paulo, 2001, p. 49-52.

[13] J. R. Cruz e Tucci e L. C. de Azevedo, Op. cit, p. 53.

[14] J. R. Cruz e Tucci e L. C. de Azevedo, Op. cit., p. 143.

[15] S. João XXIII, Pacem in terris, n. 53.

[16] S. João XXIII, Pacem in terris, n. 57.

[17] São João XXIII, Pacem in terris, n. 58.

[18] Leão XIII, Rerum novarum, n. 12.

[19] Leão XIII, Immortale Dei, n. 4.

[20] Leão XIII, Immortale Dei, n. 7.

[21] Leão XIII, Immortale Dei, n. 9.

[22] Leão XIII, Immortale Dei, n. 10.

[23] Leão XIII, Immortale Dei, n. 11.

[24] Leão XIII, Immortale Dei, n. 12.

[25] Leão XIII, Immortale Dei, n. 16.

[26] Leão XIII, Immortale Dei, n. 22.

[27] Leão XIII, Immortale Dei, n. 26.

[28] Leão XIII, Immortale Dei, n. 28, 29 e 30.

[29] Leão XIII, Immortale Dei, n. 31-35.

[30] Leão XIII, Immortale Dei, n. 36-51.

[31] Pio XI, Quadragesimo anno, n. 5.

[32] Leão XIII, Immortale Dei, n. 56-57.

[33] Leão XIII, Immortale Dei, n. 58.

[34] J. R. Cruz e Tucci e L. C. de Azevedo, Op. cit., p. 52.