Em pesquisa ao site do Tribunal de Justiça de São Paulo, deparei-me com algumas sentenças judiciais que determinavam a expedição de alvará com a máxima urgência para interromper a gravidez de mulheres que esperavam bebês com problemas. Provavelmente essas mães tiveram o prognóstico de que os bebês morreriam brevemente, ainda durante a gravidez, ou assim que nascessem. E, se porventura, sobrevivessem, seriam deficientes.
Eu vivi essa história com meu filho, por isso tais procedimentos me causam uma verdadeira angústia. Estava com doze semanas da minha primeira gestação. O médico, que era muito experiente e renomado, não mediu as palavras. Depois de terminar o ultrassom, disse friamente que o feto era inviável, que provavelmente morreria em questão de dias ou semanas. Disse que poderia indicar o aborto, juntamente com outros médicos, para me livrar do sofrimento de aguardar a morte natural do meu filho. O peso dessa notícia é indescritível. O sofrimento penetra a alma, que antes estava em festa, com a espera alegre do primeiro filho.
Eu apenas disse que não faria aquilo e saí daquele lugar desesperadamente para chorar e sofrer o meu luto, em meio aos enjoos decorrentes da gravidez, pois jamais conseguiria conviver com o fato de ter causado a morte do meu próprio filho, ainda que sua vida fosse precária ou absurdamente curta.
Para saber se o bebê ainda estava vivo, tive que fazer ultrassons quinzenais. No dia em que o médico sugeriu o aborto, o bebê apresentava evidentes sinais de que não viveria. Consta do relatório de ultrassonografia obstétrica: Anomalia extensa e grave do sistema linfático fetal. Taquicardia. Provável anomalia cardiovascular. Contrariando o prognóstico do médico, com o passar dos meses, o meu bebê melhorou. O edema desapareceu, permanecendo apenas os marcadores de síndromes (higroma nucal e osso nasal mal desenvolvido).
Além dos ultrassons quinzenais com o mesmo médico, consultei outro especialista renomado em medicina fetal, que já de início, ante os exames já realizados pelo outro médico que ele bem conhecia, indicou a possibilidade de Síndrome de Edwards. Depois de fazer um novo ultrassom, alterou seu prognóstico para arbitrar Síndrome de Down. Isso mesmo, trata-se de um evidente arbítrio, pois não há certeza alguma em medicina, como revela esse caso específico e muitos outros anônimos.
Passamos o restante da gravidez esperando a morte ou a síndrome. O enxoval somente foi comprado no sétimo mês, pois até então não sabia se haveria alguém para usar as roupinhas.
Ele nasceu saudável, em 17/08/2009, com Apgar 9, medindo 47 cm, pesando cerca de 3,5 kg. Um geneticista foi chamado para examina-lo assim que nasceu, porque a pediatra que o recebeu não conseguiu identificar nenhuma síndrome. Ela estava esperando (assim como eu) um bebê com Síndrome de Down, mas o bebê era normal!
O geneticista disse que não poderia afirmar, apenas pelo fenótipo, a presença de qualquer síndrome naquele momento, mas sugeriu que, se ele tivesse algo, poderia ser Síndrome de Noonan. Ele acertou! Trata-se de uma síndrome muito tranquila, em comparação com o que se esperava. Hoje ele tem 8 anos de idade e cursa o 3º ano do ensino fundamental. Tira ótimas notas, mas é baixinho, veja só! Nasceu com má formação cardíaca, que foi corrigida cirurgicamente, quando ele tinha 4 anos de idade. Hoje, ele leva uma vida absolutamente normal!
Quando o dignóstico da Síndrome de Noonan foi fechado, descobri um grupo de mães de crianças com essa mesma síndrome. A grande maioria tinha uma história muito parecida com a minha. A todas foi dada a oportunidade do aborto, sob o argumento de que o bebê não viveria. Todas disseram não e os bebês agora são crianças que pulam e brincam. Enfim, estão vivos, porque suas mães não acreditaram nos médicos ou, mesmo confiando que o filho morreria, optaram por dar-lhes amor enquanto estivessem vivos.
Erro ou milagre, não sabemos ao certo. De todo o modo, é absolutamente certo que há inúmeros casos de bebês que nasceram saudáveis, apesar do prognóstico sombrio que receberam durante a vida intrauterina.
Atualmente os procedimentos judiciais para autorizar o aborto em casos como o meu não aguardam tempo algum. Há uma pressa, uma urgência em extirpar um pequeno ser, que nada pode fazer contra os seus algozes. O bebê sequer tem alguém que o represente no processo. Ele simplesmente é ignorado.
Muitos dos defensores do aborto são, paradoxalmente, contra a pena de morte, por conta da possibilidade do erro judiciário, entre outros fundamentos. O juiz poderia errar ao condenar à morte um inocente. Entretanto, essas mesmas pessoas sequer cogitam sobre a possibilidade de erro médico no diagnóstico intrauterino, ao defender o “aborto terapêutico”.
Não se espera uma melhora, porque é imprescindível que se alcance a felicidade instantânea. Não se pode esperar um pouco. Sofrer um pouco. Temos que ser/estar felizes a qualquer preço.
Estamos quase vivendo no “Admirável Mundo Novo”, que Aldous Huxley descreveu com muita propriedade, se bem que ainda falta o “soma”, aquele comprimido sem efeitos colaterais, que apaga temporariamente toda e qualquer culpa ou tristeza, ao qual todos os habitantes do mundo civilizado de Huxley recorriam diariamente.
A medicina não é ciência exata e os erros acontecem todos os dias. O Poder Judiciário está apinhado de processos decorrentes de erro médico. A maioria das pessoas conhece alguém que foi vítima de algum tipo de erro ou falta de cuidado do médico. E, na maioria dos casos, o paciente ou alguém de sua família estava lá para falar com o médico. No caso do aborto, não há ninguém que fale pelo bebê. Ninguém.