SOBRE JOVENS JUÍZES, MINISTRO TOFFOLI

O jovem Rei Salomão exercendo seu poder de julgar

 

Nessa semana, completamos vinte anos de carreira judicial. Fomos aprovados em cento e doze juízes, sendo que dois já sofreram o supremo roubo de Deus, visto sob olhos humanos, e o restante torce para que Deus, por muito tempo, não ensaie novas tentativas a respeito e sequer cogite atos preparatórios.

Somos iguais, mas diferentes. Todos procedentes de lugares tão díspares quanto distantes, com visões de mundo divergentes e convergentes misturadamente. Todavia, o que mais chamou atenção da opinião pública na época foi o fato de que, entre mais de oito mil candidatos, ao final, as mais moças e os mais moços mostraram-se preponderantemente os mais capazes: a maioria dos aprovados não tinha mais que vinte e cinco anos.

Eu tinha vinte e três. Pertencia, então, ao seleto grupo de “despreparados e potenciais inconsequentes”, como nos chamou um dos editoriais da grande mídia mais críticos à política de aprovação da corte paulista. Padecíamos de uma suposta “menoridade intelectual” para o exercício do cargo.

“Juízes tão jovens a decidir os destinos dos cidadãos? Como?” – era o que mais se ouvia. Até minha falecida avó, quando soube da aprovação, parabenizou-me e depois disse que me achava precoce demais para o cargo. Respondi que, como a idade avança inexoravelmente, a precocidade teria vida curta.

Acreditar que ser jovem é um defeito para o exercício da magistratura envolve uma certa mentalidade gerontocrática que, na linha pedagógica platônica, acabou por prevalecer anos depois com a reforma do Poder Judiciário (EC 45/04), a qual passou a exigir o “limbo existencial” de três anos de formado para a candidatura aos concursos de ingresso aos tribunais de justiça.

Como se o juiz, durante o início de sua carreira, não tivesse uma longa formação específica e não tivesse qualquer contato com os colegas mais experientes. Nessa visão senil, o juiz seria uma espécie de eremita togado, sem contar o fato de que, durante os dois primeiros anos de carreira – período de vitaliciamento – suas decisões e posturas são constantemente supervisionadas por juízes formadores, pela corregedoria local, pelos advogados e pelo CNJ.

Num olhar retrospectivo, vejo que um legado de justiça, que vai se consolidando, entre nossos erros e acertos, foi fruto de sabermos manter nossa esperança por uma sociedade de florescimento individual alicerçada num espírito varonil. Há um tipo de esperança que brota da energia juvenil, mas que se esgota com os anos, com o adentrar na maturidade.

Contudo, a verdadeira esperança oferece ao homem um “ainda não” que triunfa sobre o declínio das energias naturais. Dá ao homem tanto futuro, que o passado passa ser considerado pouco passado, por mais rica e longa que tenha sido sua vida. A esperança é a força do desejo voltado para um “ainda não” que, quanto mais nos aproximamos dele, mais nos distanciamos de uma maturidade caquética.

Por isso, a verdadeira esperança produz uma eterna juventude. Comunica ao homem elasticidade e leveza, uma juventude exigente e flexível ao mesmo tempo, qualidade própria dos corações fortes. Trata-se de uma valentia despreocupada e confiante, que caracteriza e distingue o homem de espírito jovem, fazendo dele um exemplo atrativo.

A esperança confere uma juventude inacessível à velhice e à desilusão.

“Espera. O tempo passa. E, um dia, o tempo fica”, diz o bardo. Muitos anos passaram-se e aquelas bravíssimas juízas e os não menos bravíssimos juízes imberbes alcançaram a maturidade existencial. Tropeçaram e levantaram. Porém, continuaram jovens de espírito.

Como prova disso, hoje, a mesma opinião pública enaltece o trabalho silencioso de muitos jovens juízes. Menos o chefe do poder a que pertencemos. Lamentavelmente. Desconhecimento da realidade pode não ser só um problema etário. Ideologia e déficit cognitivo também podem nos tornar alienados da vida real.

Somos tão jovens e assim devemos permanecer. Nada como a poesia para falar da vida. Razão ao nosso bardo. Esperamos e o tempo dos juízes jovens veio para ficar e marcar uma época histórica, sobretudo no campo do combate judicial da corrupção política e da concretização das liberdades públicas.

Eis a nossa tarefa e o nosso desafio: trabalhar diariamente para distribuir o justo concreto, mas com a mentalidade de quem, como um jovem, ainda usa calça jeans, tênis, camiseta e veste, dentro de si, por vocação, uma toga dilatada por um esperançoso coração. Ainda que seja para a envidia de nossos gerontocratas.

Verdade e Debate Civilizado

Berrante

 

Vivemos tempos intelectualmente paradoxais. Por um lado, temos a possibilidade de acesso ao conhecimento sem que precisemos nos deslocar geograficamente, ainda que isso seja muito útil para nele aprofundarmos e o vivenciarmos com maior ardor científico. Afinal, todos gostamos de crer que detemos um pensamento próprio, alheio a convencionalismos e modismos de época.

Por outro, as mesmas ferramentas que potencializam aquele acesso também provocam, no âmbito social, uma espécie de imbecilização coletiva, por meio de frames e contraframes que, no afã de sintetizar todo um modo de pensar político, acabam por criar estábulos mentais, plenos de bovinidade intelectual e vazios de racionalidade crítica, como o tal #EleNão, reagido pelo tal #EleSim.

Essa atitude intelectual padece de um problema sério: as ideias não são assumidas por convicção racional, mas por impregnação ambiental. Se o cenário empírico fosse composto por crianças de uma classe de educação infantil, nada mais trivial. Mas não é bem o caso. Nosso olhar está mirado em adultos das mais várias classes de uma sociedade inteira. Seria cômico, como uma ópera bufa, se não fosse trágico, como um drama grego.

Tal fenômeno não é composto por uma só ilha. Diria que se trata do braço de um arquipélago maior, composto por outras extensões de terra, variáveis em tamanho e profundidade: o emotivismo, em que as razões são sufocadas pelos sentimentos; a tergiversação da linguagem, que recorre a eufemismos e talismãs hermenêuticos para evitar o confronto crítico; a censura, que, sem se reconhecer como tal, impõe a proibição de discussão de determinados temas, sob pena de alguma minoria sentir-se ofendida e que leva, inclusive, a restringir o próprio debate acadêmico; e, ainda, a distração digital, que pode afogar o pensamento por falta de tempo e desejo de exercê-lo.

O que os intelectuais e os formadores de opinião pública (rectius: publicada, segundo Churchill) podem aportar numa sociedade em que determinadas ideias são mal vistas ou apresentadas por meio de rótulos falseados? Basta rasgar o verbo contra aqueles que refletem de forma diferente, sem se preocupar em dizer algo de valioso? Ou inventar outra hashtag reducionista?

Frente ao rugido dos indignados de plantão de todas as cores e partidos, penso que seria o caso de se propor um retorno à moderação e à atitude reflexiva, a fim de se suavizar, pelo menos, os conflitos desnecessários. E esse retorno passa, necessariamente, pelo caminho de uma busca racional e apaixonada da verdade, a melhor aliada de um debate civilizado, mormente quando, nesse rugido, há uma obstinação que faz de cada opinião uma espécie de dogma incontestável.

Não existe outra saída, ainda que eu passe por um metafísico pleno de wishful thinking, por ousar a pensar que o homem é capaz da verdade. A busca de uma verdade que deve ser reconhecida é um antídoto contra a arbitrariedade daqueles que pretendem impor suas opiniões, desejos ou vontade de poder.

Assim, o relativismo não pode ser um requisito para a abertura da mente e o paradoxo reside no fato de que a mesma verdade, expulsa do debate público em nome do relativismo, foi logo reivindicada por esses mesmos indignados a partir do momento em que não conseguiam mais distinguir entre fatos e fake news. Ou a “tábua de salvação” das democracias liberais, o tal fact-cheking, não guarda relação com o fato de que a verdade necessita de critérios de verificação externos à própria subjetividade?

Huxley tem razão, ao ter profetizado em 1932, que “a ausência da verdade seria o atributo mais proeminente da sociedade moderna”. A busca racional e apaixonada da verdade – ou, pelo menos, a intenção de acercar-se dela – é uma inclinação indispensável, se queremos nos livrar desse subjetivismo reinante no domínio político da realidade social.

E, como se trata também de suspeitar dos próprios juízos, é conveniente que essa busca seja feita em diálogo com os demais, porque o pluralismo não necessariamente se confunde com o relativismo, o qual nivela todas a opiniões, nem com a diversidade, que tende a dissipar a verdade.

Toco meu berrante. A disposição de buscar a coisa em si e de levar a sério as pessoas com as quais discrepamos por suas ideias políticas, porque, mesmo sendo razoáveis, não são sofisticadas ou nos pareçam muito lineares, é justamente o que nos previne do dogmatismo e do pensamento de manada, tão tóxicos para o alcance de uma verdade que nos ilumine a fazer a coisa certa numa democracia. Agora, resta saber se o som desse berrante foi ouvido por aqueles indignados, na esperança de que deixem de ruminar sua bovinidade intelectual.

O governador, o sniper e o terrorista “inofensivo”

Sniper

Este breve artigo visa a abordar a questão jurídico-penal envolvida na declaração do governador eleito do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, no sentido de que atiradores de elite (snipers) terão o respaldo do governo para abaterem criminosos que estejam portando ostensivamente armas de uso exclusivo das Forças Armadas, como fuzis.

Em que pese notoriamente adequada à lei, à realidade e ao senso comum, tal declaração parece ter deixado perplexos certos “especialistas”, notadamente do jornalismo e da área jurídica.

Algumas vozes reagiram de imediato afirmando que a iniciativa do governador eleito viola a legislação brasileira, afirmação daquelas que se lançam com a máxima velocidade para, repetida tantas vezes quantas forem possíveis, tornar-se uma “verdade” inquestionável antes que se proponham estudos mais sérios e honestos acerca do tema, estratégia costumeira entre “defensores” incondicionais de “direitos humanos” daqueles que dedicam a vida a aterrorizar seres humanos.

Como as soluções pré-fabricadas por burocratas de plantão não nos satisfazem, vejamos o que diz a lei penal e como a medida proposta pelo governador eleito a ela se coaduna.

A questão gira em torno de uma das causas excludentes da ilicitude do fato, e consequentemente de seu caráter criminoso, previstas na lei, especificamente no art. 25 do Código Penal.

Trata-se da chamada legítima defesa.

O art. 25 do Código Penal assim dispõe:

“Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”

Pois bem.

Quando um policial abate um criminoso durante um confronto armado, não há a menor dúvida de que atua sob o manto da legítima defesa (própria), porque age para repelir uma injusta agressão atual contra si. Neste caso, também age acobertado pela descriminante do estrito cumprimento do dever legal (art. 23, III, do Código Penal), uma vez que tem o dever funcional de fazer cessar a ação criminosa, protegendo assim a sociedade.

O suposto problema – absolutamente irreal, mas incrivelmente imaginado por aqueles que se escandalizaram com o anúncio do governador eleito – surgiria quando o criminoso fosse abatido “apenas” por estar portando um fuzil ostensivamente, em pleno meio urbano, mas não propriamente em combate com as forças policiais.

Parece que a fértil imaginação dos escandalizados alcança um nível tal que lhes permite cogitar a hipótese de um cidadão, trabalhador, honesto e cumpridor da lei adquirir um fuzil, sabe-se lá por que meios, e empunhá-lo, pública e ostensivamente, apenas por diversão, sem a menor intenção de ferir ou matar alguém.

Loucuras à parte, analisemos a questão posta à luz da legislação vigente.

Para melhor compreensão, fazem-se necessários alguns esclarecimentos a respeito do conceito de agressão iminente, bem como do que seria o uso moderado dos meios necessários, mencionado no aludido art. 25 do Código Penal.

O caráter iminente de uma agressão não se verifica exclusivamente a partir do aspecto temporal. Agressão iminente não é simplesmente aquela que está prestes a acontecer. Conceitos jurídicos não decorrem de meras consultas a dicionários. Antes, devem aproximar-se ao máximo da finalidade para a qual a lei foi concebida e do sentido e alcance indicados pela interpretação sistemática de seus termos.

No caso da legítima defesa, como a finalidade da ação daquele que se defende é repelir, isto é, afastar a agressão, impedir que ela se concretize, deve-se entender que agressão iminente é aquela que reúne, de acordo com os sinais externos inequívocos, todas as condições em potencial para se concretizar a qualquer momento.

Na hipótese especificamente cogitada, há ainda um fator importantíssimo a ser considerado: além de ser evidente que um criminoso empunhando um fuzil em plena cidade represente uma ameaça constante de agressão a um número indeterminado de pessoas, capaz de se concretizar a qualquer momento, mais evidente ainda é que, se o agente policial praticar qualquer ação legítima tendente a detê-lo (o que está obrigado a fazer por dever funcional, sob pena de prevaricação), será ele, obviamente, o alvo da agressão.

Portanto, não há dúvida alguma de que o policial, em casos tais, está diante de uma agressão iminente.

No que tange ao emprego dos meios necessários, é tranquilo o entendimento de que estes consistem nos recursos de que disponha o autor da ação legítima para, com eficácia, fazer cessar aquela agressão iminente. No caso em análise, o sniper disporia de uma arma de logo alcance e de precisão (fuzil), única capaz de atingir tal objetivo, já que qualquer aproximação do criminoso que empunha ostensivamente também um fuzil colocaria em risco a vida daqueles que apenas cumprem seu dever funcional.

Por isso é que também a hipótese da “prisão do criminoso para que responda nos termos da lei” pelo crime por ele praticado, isto é, pelo porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16 da Lei 10.826/03) – hipótese que talvez ocorra na imaginação daqueles que se indignaram com a decisão do governador de preservar a vida de policiais em detrimento da de terroristas – revela-se absolutamente implausível. Como se aproximar e efetuar a prisão do criminoso que empunha um fuzil justamente para atingir policiais a centenas de metros de distância e não ser preso?

Trata-se, pois, de mais uma hipótese que só existe no imaginário de alguns, obviamente divorciada da realidade.

Quanto à moderação no emprego desse único meio eficaz, pelo que foi exposto até aqui, parecem desnecessárias maiores considerações. A moderação está indissociavelmente vinculada à necessidade do meio empregado (“meios necessários”). O que a lei quer evitar, evidentemente, é que a intensidade da ação defensiva não vá além do suficiente para fazer cessar a agressão, o que logicamente pressupõe alguma proporcionalidade, ainda que não matematicamente exata. No caso, é mais do que claro que o disparo à distância efetuado por sniper (meio necessário, como já visto) para repelir a agressão iminente (criminoso que ameaça a sociedade e a legítima ação policial empunhando um fuzil) não iria nada além do suficiente para fazer cessar a agressão.

Portanto, por mais que se incomodem os adeptos da ideia de que a melhor forma de combater o crime é não combatê-lo, a corajosa iniciativa declarada pelo governador eleito, caso colocada em prática, terá pleno respaldo legal.

Felizmente, posições descoladas da realidade, juridicamente infundadas e desprovidas de qualquer utilidade prática, senão a de opor toda ordem de obstáculos à ação do Estado na defesa da sociedade ante o crime, são cada vez mais escassas.

Já são repudiadas pela sociedade que não suporta mais assistir a burocratas irresponsáveis fazendo malabarismo para transformar verdadeiros terroristas em vítimas e criminalizar ações legítimas voltadas justamente a combatê-los.

E devem ser veementemente refutadas no âmbito judicial, do qual urge expurgar a falácia de que o Direito Penal existe para proteger o indivíduo infrator da lei dos presumíveis abusos do Estado no exercício do direito de punir.

Muito pelo contrário, ele existe e sempre existiu para proteger a sociedade ordeira contra indivíduos inescrupulosos e perigosos, como o terrorista que, pública e ostensivamente, empunha um fuzil para intimidar as forças policiais e toda a coletividade cumpridora da lei que àquelas incumbe proteger.

“Nossos Mujiques Mantiveram-se Firmes”

 

russia-mujik-familia-mujiques-do-seculo-19-400-1673870
Família de mujiques do Século XIX. Fonte da Imagem: https://myloview.com.br/fotomural-russia-mujik-familia-mujiques-do-seculo-19-no-198A8E

 

Quando foi anunciado o resultado da eleição presidencial neste último domingo (28/10/18), logo veio-me à mente uma frase impactante do livro “Irmãos Karamazov”, de Dostoievski. Dentre tantos assuntos tratados neste livro espetacular, há a estória do assassinato do patriarca da família Karamazov, Fiódor Pávlovitch, supostamente levado a cabo por um de seus filhos: Dmítri Fiódorovitch. Levado a júri, o destino dele repousava sobre pessoas simples que o julgariam, a maioria delas meros mujiques, que formavam a classe camponesa mais iletrada e pobre da Rússia. O julgamento em si representa, a meu ver, um dos mais notáveis sucessos da narrativa de todos os tempos, coisa de gênio, talvez sem paralelo na história da literatura.

Durante o julgamento, um promotor um tanto quanto decrépito faz o seu melhor para que o júri condene Dmítri; já o advogado de defesa, uma espécie de celebridade na Rússia, transforma sua fala numa verdadeira obra-prima da oratória e faz com que toda a plateia irrompa em lágrimas e aplausos, clamando pela absolvição, e consequente liberdade, do acusado. Promotor e advogado transformaram o julgamento de “Mítia” Karamazov num verdadeiro julgamento da própria nação russa, de sua cultura, de seus vícios e virtudes. Ao final, e ao contrário do que se esperava, Dmítri é condenado. Na saída, todos comentavam o resultado e um dos assistentes lançou a frase a que me referi logo no começo: “Nossos mujiques mantiveram-se firmes; e acertaram as contas com nosso Mítia”.

Acertando ou errando[1], o povo simples da Rússia decidiu uma causa posta aos seus olhos de acordo com sua consciência; suportou a pressão da plateia; fechou os ouvidos à oratória do advogado de defesa; passou por cima mesmo de ofensas feitas pelo promotor à própria Rússia (e que, no fundo, eram ofensas a eles mesmos, parcela mais pobre e iletrada do país). Enfim: mantiveram-se firmes em suas convicções; e acertaram as contas com quem julgavam que havia contas a serem acertadas.

O povo brasileiro, nesta eleição, comportou-se exatamente como o júri de Dmítri Karamazov.

Nunca se viu algo igual ao que aconteceu em Terra de Santa Cruz! O brasileiro comum simplesmente adotou um candidato desde muito antes do início da corrida presidencial. Cansado de décadas tendo que escolher entre presidenciáveis que em absoluto o representavam, descobriu, desta vez, um que, para o bem e para o mal, pensava exatamente como eles em uma gama enorme de assuntos. Ao descobri-lo, retirou-o do segundo escalão da política nacional, fez dele um candidato com potencial de se eleger e sustentou sua campanha até sua eloquente vitória.

Contra ele, jogavam todas as forças. Havia todo o establishment político. Havia todos os candidatos que, diuturnamente, não cessavam de tentar desqualificá-lo perante o eleitorado. Havia quase toda a grande mídia (com poucas, porém notáveis exceções), que trabalhou incansavelmente para assassinar sua reputação. Havia quase toda a classe artística que resolveu bancar a campanha contrária com sua cota de apelo junto às pessoas comuns.

A favor dele, havia quase nada. Seu partido era nanico. Não tinha dinheiro para custear a campanha eleitoral. Não tinha tempo de televisão. Podia apenas percorrer o Brasil de cidade em cidade, fazendo campanha literalmente ao lado do eleitor, mas até isso lhe foi tirado após o atentado que quase o matou vindo a passar a maior parte da campanha ausente das ruas.

Venhamos e convenhamos: dentro do que normalmente acontece, sua candidatura era completamente inviável. Porém, contra tudo e contra todos, o brasileiro comum havia tomado sua decisão e não estava mais disposto a voltar atrás.

Quando os comentaristas de política (que parecem conhecer tão bem de política quanto comentaristas de futebol conhecem de futebol: praticamente nada) descobriram o fenômeno, tentaram entendê-lo dentro de sua clave de pensamento absolutamente limitada. Aos olhos deles, o candidato apresentava um discurso de extrema direita, fascista, xenófobo, machista, homofóbico, religioso e violento. Para explicar como era possível um ser tão desprezível causar tanto entusiasmo entre as pessoas comuns, arriscaram-se a dizer que o povo brasileiro, ao votar em Jair Bolsonaro, apenas manifestava sua indignação com o mar de corrupção desnudado pela Operação Lava Jato, buscando, em função dele, um candidato que se situava para fora da política tradicional.

A análise é absolutamente equivocada. Tratava-se de mais uma explicação sacada na base do se non è vero, è bene trovato, que, se no fundo não convencia ninguém, ao menos acalmava os ânimos nas redações dos grandes jornais.

Mas a verdadeira razão pela qual o brasileiro elegeu o novo presidente é terrível demais para que os analistas políticos sequer aceitem cogitar dela: o povo brasileiro escolheu Jair Bolsonaro pelas mesmas razões em virtude das quais toda a classe bem falante do país o desprezava. Ele é a favor de punição severa a criminosos? Ora, o brasileiro comum também é. Ele luta com unhas e dentes contra a sexualização precoce das crianças em sala de aula? Por incrível que pareça, a maior parte de nosso povo também abomina a ideia. Ele fala contra política de cotas, contra o politicamente correto, contra a desordem causada pelos chamados movimentos sociais? Creiam-me: a maior parte de nossa população igualmente não suporta nada disso. Ele defende a família tradicional e gosta de falar em Deus e de citar frases bíblicas? Por mais que isso doa no coração de todo o establishment político, de todos os representantes de nossa grande mídia e de voa parte de nossos artistas, sou obrigado a dizer-lhes uma verdade terrível: o cidadão comum também aprecia a família formada por homem e mulher, também tem Deus em altíssima conta e também manifesta pela Bíblia um respeito de reverência sagrada.

Ou seja: Bolsonaro foi eleito porque o brasileiro comum viu nele muito de si mesmo e foi exatamente por isso que as críticas ferrenhas feitas ao candidato, ao cabo de tudo, foram incapazes de arranhá-lo no mínimo que fosse: ao ouvi-las, o eleitor tomava-as mais como ofensa pessoal do que como razões para deixar de votar naquele a quem já tinha escolhido.

Os analistas políticos simplesmente não puderam compreender o fenômeno que se desenrolava diante de seus arrogantes narizes porque se distanciaram tanto da realidade que já haviam se tornado incapazes de compreender o povo brasileiro como ele é de fato.

Por isso, apesar de todos os esforços, apesar de todas as forças movidas, apesar de todas as armas de que dispunham os demais candidatos, apesar mesmo da ausência física do candidato eleito durante a campanha, nossos compatriotas o escolheram e, feita a escolha, para o bem ou para o mal, acertando ou errando, mantiveram-se firmes até o fim.

E, mantendo-se, no dia 28 de Outubro do Ano da Graça de 2.018, acertaram as contas com aqueles com quem julgavam ter contas a acertar.

 

[1] O curioso é que, ao menos pela leitura que pessoalmente faço da obra, o júri acertou sob um ponto de vista e errou sob outro.