O Feminicídio Como Arma de Revolução Cultural

Cavalheirismo

 

No dia nove de Março do Ano da Graça de 2.015, entrou em vigor a Lei 13.104/15, que alterou a legislação pátria para criar a figura do “feminicídio”, uma espécie de homicídio qualificado (e, portanto, de crime hediondo) pelo fato de ser a vítima uma mulher e de sê-la enquanto mulher. Tratou-se de um evidente ato de, digamos, comemoração do Dia Internacional da Mulher, ocorrido no data anterior. Um “presente”, portanto, às mulheres brasileiras.

A questão que devemos levantar é se a lei em si é minimamente razoável para ser celebrada nos meios jurídicos ou se, ao contrário, ela é mais uma peça no imenso quebra-cabeça da revolução cultural que nos assola desde os anos sessenta do século vinte e que ameaça destruir desde o centro toda a sociedade brasileira.

Um primeiro argumento que se poderia levantar em favor da lei se resume na constatação de que, na vida de um casal, existe um pacto de mútuo apoio, razão pela qual a agressão a um cônjuge (e, vá lá, a um companheiro) representa uma quebra da confiança entre ambos existentes. O bem jurídico atingido, no caso, é duplo, revelando a maior gravidade deste crime.

O argumento tem lá sua razão.

Contudo, se este fosse o motivo da criação de uma nova modalidade de homicídio qualificado, a lei seria falha (para dizer o mínimo) ao contemplar apenas a situação da mulher, deixando de lado a do homem. Pois, neste cenário, o homicídio de um esposo é tão grave quanto o da esposa, já que em ambos atingiu-se não somente o direito à vida como as obrigações conjugais que naturalmente estavam presente na relação entre ambos.

Claramente, portanto, o legislador pátrio não tinha em mente a quebra da confiança como fator para criação do “feminicídio”.

Um segundo argumento seria o de que, sendo a vítima uma mulher e o agressor um homem, tem-se que, em regra, há uma certa covardia envolvida no “feminicídio”, covardia esta que deveria agravar a pena do agressor.

Ocorre que a condição de inferioridade física da mulher perante o homem já estava contemplada no artigo 61, “f”, do Código Penal como circunstância agravante. Dentro do sistema do código, esta é a melhor solução para o caso, visto que outras vítimas fisicamente inferiores aos agressores também encontram no artigo 61 uma maior proteção estatal.

Assim, claramente o legislador não deseja mais que a mulher figure entre outras vítimas preferenciais (como os idosos, as crianças, etc), buscando erigi-la num caso único a receber proteção igualmente única.

Então, novamente, perguntamos: se a razão para a criação desta figura não é a maior gravidade em si mesma do homicídio nem a condição especial da vítima, qual seria então?

A resposta deve ser buscada para além do Direito e repousa numa visão deturpada da realidade das coisas (no caso, das relações humanas) embebida de (e obnubilada pelo) marxismo.

Há décadas que nosso legislador parte do pressuposto de que as pessoas, em suas relações sociais, se dividem entre opressores e oprimidos, numa eterna luta de classes.

Funciona mais ou menos assim: empregadores, empresários, donos de terra, brancos, adultos, heterossexuais, policiais, pais, professores (para ficarmos em poucos exemplos) são todos categorizados como opressores; a eles, opõem-se os empregados, os consumidores, os sem terra, os negros, os adolescentes, os homossexuais, os criminosos, os filhos, os alunos, etc..

Pois bem.

Dentro desta concepção marxista, no relacionamento “homem/mulher”, o varão oprime; a varoa é oprimida.

Foi o próprio Marx, em seu “Manifesto Comunista” quem asseverou que a “burguesia rasgou o véu de emocionante sentimentalismo que cobria as relações familiares e reduziu-as a simples relações de dinheiro”. Proclamou, ainda, no mesmo manifesto, querer “abolir a família”, tal qual ela se manifesta por considera-la um subproduto do mundo burguês.

As relações familiares, portanto, deixam de ser entendidas como baseadas no amor e passam a sê-lo como baseadas em relações econômicas. E, enquanto tais, resumem-se num sistema de opressores contra oprimidos.

O Estado, portanto, da mesma forma como já tomou posição a favor dos empregados (contra os empregadores), dos negros (contra os brancos), dos adolescentes (contra os adultos), dos criminosos (contra os policiais), dos alunos (contra os professores), dos filhos (contra os pais), agora, toma posição a favor da esposa contra o esposo.

A Lei nº 13.014/15 representa, assim, mais um petardo neste sentido, tratando nitidamente a mulher (pelo simples fato de ser mulher) como uma oprimida a merecer proteção especial contra o homem (pelo simples fato de ser homem).

A vida de um homem, em sua relação conjugal, passa a valer metade da vida de uma mulher e a merecer menos de metade da proteção estatal.

Se é evidente que o assassinato de uma esposa deva ser severamente punido, não é menos evidente que o assassinato de um esposo deva sofrer punição idêntica. Diferenciar tais situações é vilanizar, de antemão, um agente social, impondo a ele um estigma completamente sem fundamento na realidade das coisas.

Daí que este “presente” dado à Nação nas comemorações do Dia Internacional da Mulher é mais um Cavalo de Tróia, destinado a acelerar a dissolução da sociedade brasileira.

Em futuro artigo, pretendo tratar da questão de como nós, magistrados, podemos atenuar os efeitos maléficos da Lei 13.014/15.

AS VÍTIMAS DO ESTUPRO

Assistimos, nos últimos dias, à repercussão da acusação de estupro coletivo de uma menina praticado por trinta homens. Muito antes de se atribuir essa estupidez coletiva, caso se confirme, à tal “cultura do estupro”, creio ser o problema, em si, muito mais antropológico que histórico: o ser humano carrega, em seu coração, uma divisão entre bem e mal. A mesma indignação e ira aprazíveis por si só ante uma situação de injusto concreto podem facilmente se converter em justificativas para a crueldade e a injúria.
No passado, o mal era só praticado no interior de um círculo relativamente restrito: o tirano Macbeth só desferiu seu processo de violência em relação àqueles que se interpuseram ao seu projeto de poder real. Com o advento das ideologias, todos seus colecionadores de cadáveres levaram os requintes do mal privado ao nível da massificação pública.
Hoje, acreditamos que, por nos considerarmos no ápice da história da racionalidade civilizatória, o mal também teria uma causa e uma cura científicas. É bem verdade que tratamos o mal das mais variadas formas. Basta olhar para a história da cultura ocidental. O mal nasce da ignorância, diziam os clássicos gregos e seus herdeiros iluministas. O mal nasce de nossa irremediável debilidade intrínseca depois da queda adâmica, falavam os doutores da Igreja.
O mal nasce da pobreza e da miséria, diz a turma do Fórum Social Mundial, avalizada pela maionese sociológica de seus intelectuais. Ou, então, o mal nasce de um desequilíbrio orgânico ou químico que a ciência moderna acabará por resolver. No muro aqui perto de casa, o grafiteiro acha que as pessoas não são más, estão apenas perdidas. Tudo é possível, exceto admitir que o mal está entre nós sem nenhuma explicação estritamente racional e que adentra, em seus insondáveis caminhos tortuosos, num mistério e num efeito direto e contingente do dom da liberdade.
Diante desses argumentos, fica insustentável atribuir o ato delinquente noticiado como decorrente exclusivamente de uma relação direta de causa e efeito com a tal “cultura do estupro”, propalada por um ideário baseado num suposto monopólio da virtude pela mulher.
Nessa “cultura”, seus dados, na realidade, consistem, por parte dos homens, na falta de um certo virtuosismo na pureza, essa qualidade que purifica os afetos sexuais do egoísmo e da agressividade e que os promove à sua plena realização no amor e, por parte das mulheres, na ausência de algum pudor, no sentido mais genuíno da expressão: para os gregos, consistia na recusa em chamar a atenção para si, em especial, no que tocava ao cuidado do corpo humano. Ser atraente não é o mesmo que ser provocante.
Em outras palavras, tanto um caso como o outro repousam num fenômeno muito maior, o da sexualização das relações sociais, e não se restringe ao machismo sexista e nem ao feminismo despudorado, irmãos siameses na visão reducionista do sexo. Sexo como “commodity social”. Alimentado pela glamourização do consumo de drogas e pela erotização precoce na educação da afetividade sexual. Na dúvida, ouça algum “funk pancadão”, uma narrativa aceita socialmente e tida como “expressão artística” da cultura das periferias sociais por nossos intelectuais “bem pensantes”.
Um estupro praticado por trinta homens é culpa exclusiva dos trinta homens envolvidos em seus devaneios mais sinistros e o “machismo”, no limite, resulta em condição predisponente. Não é culpa de uma tese sociológica ou de estupradores potenciais. Quem precisa responder pela tremenda brutalidade cometida, se veraz, são só aqueles que escolheram praticá-la, cujos traços, no desvalor da ação, lembram a banalidade do mal de Arendt.
A partir do momento em que uma tragédia dessa envergadura é submetida à opinião pública, ela deixa de ser apenas um caso pessoal e isolado. Passa a ser também, de certa forma, a medida do que somos enquanto civilização.
Se insistirmos nessa tese exclusivista da “cultura do estupro”, desconfio que seria nossa civilização a precisar de uma outra sociedade: porque os postulados que denunciam a dita cultura, ao cabo, restam muito parecidos com os dos denunciados. Resta, ao final, a inteligência como a outra vítima desse estupro.