O JUIZ, SUA REFLEXÃO E A CANETA

 

O juiz, desde o início de sua carreira, tem apenas a solidão como sua confidente: a distância geográfica com a Capital torna seu contato com a cúpula distante, frio e, em regra, dotado de uma formalidade que, muitas vezes, beira ao formalismo insípido. Nossa cultura judicial o estimula a sempre julgar sozinho, mesmo nos casos mais difíceis, ouvindo apenas o ordenamento jurídico e os fatos do processo. Quando muito, um magistrado mais antigo na carreira e que seja seu amigo, disposto a sempre atendê-lo, porque, afinal, o juiz precisa estar “imune” às influências externas que o impedem de sair de seu “estado de menoridade intelectual”.

No seio propriamente dito de seu labor diário, na prática, há uma rígida barreira delimitadora de espaços institucionais: conhece o advogado, mas não convém que participe das atividades do órgão classista daquela carreira; no Ministério Público, instituição xifópaga, sente-se estranho ao natural ambiente gregário que esta instituição fomenta entre seus membros; na Serventia, deve reservar uma certa distância, já que todos os servidores públicos estão-lhe legalmente subordinados.

E, não raro, ainda é contemplado, nos autos do processo, uma vez ou outra, com reformas de sentenças que mais lembram um “corretivo fraterno” de um desembargador que pensa ser seu genitor. Quem tentar ir além dessa linha Maginot que separa o magistrado dos demais profissionais do Direito e dos próprios membros mais antigos da carreira judicial, é visto como um ser exótico na carreira errada. Se insistir, mais cedo ou mais tarde será convocado para uma “paterna” admoestação e ainda corre o risco de ser preterido na próxima ascensão aos quadros da carreira judicial.

Esse clima de silêncio obsequioso e temor reverencial produz um efeito muito claro: o magistrado vai, cada vez mais, hermetizando-se em sua vara e se fechando a um sadio diálogo institucional e formativo. Em outras palavras, os juízes deixam o protagonismo – diário e caso a caso – do importante desafio de reforma da justiça, acomodam-se profissionalmente e assumem uma postura desalentadora. Que sociedade quer juízes assim? É possível a superação desse estado da arte da carreira judicial? E como deve ser o modus operandi dessa virada institucional na formação e no aperfeiçoamento dos magistrados?

Preocupado com esse quadro pouco animador, a Emenda Constitucional 45/04 (artigo 105, § único, inciso I, da CF/88) criou a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), cujo fim é o de regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira e, também, o de zelar pela constante formação e aperfeiçoamento do juiz ao longo de sua vida profissional. Aliás, acreditamos que a verdadeira reforma da justiça brasileira passa justamente por aquele que tem sido pouco lembrado, embora deva exercer o protagonismo nessa tarefa redentora: o magistrado.

Mais recentemente, dando fôlego às funções primordiais da Escola Paulista da Magistratura, o Tribunal de Justiça criou a figura do juiz formador, cuja função primordial é a de, metodologicamente, orientar o juiz substituto não vitalício em seus primeiros anos de carreira. Esta função comporta uma série de deveres, cujos principais são a disponibilidade de atendimento ao juiz noviço e o incentivo e a orientação do estudo sistemático de matérias indispensáveis ou úteis ao exercício da função jurisdicional, além da salutar transmissão da experiência haurida ao longo de anos de toga.

Sem dúvida, é grande passo institucional rumo à superação das profundas contradições e idiossincracias apontadas nas linhas iniciais desta reflexão, conferindo uma nova perspectiva de vitalidade da carreira judicial, ontologicamente conflitiva e, nos umbrais do século XXI, caracterizada por uma sociedade massificada e por perspectivas pós-modernas de crítica epistemológica do ser do Direito.

Agora, o magistrado recém-ingressado na carreira não terá somente o papel e a caneta como testemunhas de seu fardo diário de distribuição do justo concreto, atualmente, substituídos pelo processo eletrônico e pela assinatura digital. Contará com uma voz de apoio e de aconselhamento, sempre proclamada com respeito à independência funcional do outro e com vistas ao virtuosismo e ao resgate protagonista da instituição como um todo. Em suma, se, para o juiz substituto, essa relação é reconfortante, para o juiz formador, é uma tarefa e, ao mesmo tempo, um grande desafio. Afinal, tal é a magistratura, porque tais sãos seus membros. Ou, melhor dizendo, tal é a magistratura, porque tal é o protagonismo de seus membros.

PARA MEDITAR SOBRE A JUDICIOCRACIA

Parte final de pequena palestra proferida pelo Desembargador Ricardo Dip na Universidade Católica de Santiago do Chile, com o título “Os direitos humanos do neoconstitucionalismo: direito natural da pós-modernidade?”:

“…lições da doutrina tradicional não parecem conciliar-se de modo plenário com a larga órbita de insegurança que, redundando já da hipertrofia dos princípios jurídicos, acresce da tarefa de sobredeterminação do direito que, de maneira ordinária, se confere aos juízes para, em cada caso mas para além de cada caso, serem a voz que supre o silêncio das regras e medidas.  Se ao juiz antes se conferia a última palavra para as soluções de direito no conflito casual, agora, em rigor, nunca se dispensa que toda definição jurídica sempre suponha a realidade ou a virtualidade da iurisdictio.  Já se pôde acaso antever: “…dónde no pueden intervenir jueces (disse Alvaro D’Ors), no hay tampoco derecho. De ahí que podamos definir el derecho como ‘aquello que aprueban los jueces’”. ,  Houve quem visse nessa orientação orsiana um rasgo de fenomenologismo, uma recorrência do protestantismo em geral e do pensamento de Calvino em particular, uma exorbitância do subjetivismo da criação judiciária do direito, comprometendo-se com isso a noção —tomista— de obiectum iustitiae.  Exagero ou não nessa acentuação crítica, o fato é que não parece se deva passar ao largo de que o próprio conteúdo de muitos dos princípios inseridos nas normativas contemporâneas exigiria prudente análise, sobretudo se se pensa num seu alguma vez propositado menosprezo do topos da tradição,  designadamente a cristã, a ponto de já acenar-se a uma cristofobia institucionalizada.

            Sem negar que, entre os princípios positivados, muitos há que traduzem, materialmente, as primeiras conclusões da lei natural, nem recusar que possam os juízes, a exemplo do que atuariam suficientemente com os tradicionais recursos da equidade e da gnome, manejar com senso de justiça os princípios normativos, ultrapassando o espartilho da mecânica da subsunção de uma “legalidade arqueológica”,  o fato é que, por sua mesma estruturação, o modelo legal do novo constitucionalismo, dele, parece, apenas poderá dizer-se que, só acaso, propiciará uma experiência iusnaturalista, quer por sua convivência com uma cultura de agnosticismo jurídico, quer ante a praxe de uma sobredeterminação que desborda os julgamentos de casos, quer, enfim, à conta de significados eticamente controvertíveis e politicamente revolucionários.   É muito impressivo, por exemplo, o fato de que, em nossos tempos, não falte, aqui e ali, numa pretendida esfera de princípios fundamentais, um “direito” de a mulher matar um inocente (i.e., praticar o aborto direto).

            Talvez, para ultimar esta pequena palestra, seja interessante observar que, ao cabo de alguns ensaios de praxis neoconstitucionalista, a intensa polarização de julgados levou, no Brasil, à instituição de mecanismos aptos a “regular os princípios” —ou seja, a, de fato, converter judicialmente a indeterminação dos princípios em textos regulatórios. Isso se opera, segundo a Constituição brasileira, mediante o efeito vinculativo e contra todos das decisões definitivas de mérito, proferidas pela Suprema Corte federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade,  bem como por meio da edição de súmulas dessa Corte com eficácia vinculante.  O resultado prático parecerá —por seu suposto geral e abstrato— a implantação de um plenário reino de regras, apenas que, em vez de vindas do Parlamento, ditadas, para empregar a expressão de Édouard Lambert, por um gouvernement des juges. De fato, se a palavra judicial de codeterminação do direito não se limita à situação do caso singular, mas tem uma inevitável vocação genérica, está-se diante de um governo de juízes: emerge aí o que Gérard Timsit designou “poder ventríloquo”, um poder que tende a falar por sua boca em lugar da lei… um poder vencido pela “tentação de ser ele próprio a lei, em vez de dizê-la”.

            A proposital indefinição normativa aparece nesse quadro rematada por uma tendência de estandardização jurídica: já se dizem e multiplicam normas sobre normas, para atender à ansiedade pelo uniforme. Se é isso, se é disso que se trata, estaremos já no domínio de um normativismo… mas então um normativismo privado do socorro de um Judiciário que ainda possa excepcionar casualmente, pela equidade e a gnome, umas normas cuja interpretação se faz uníssona e erga omnes. O remédio é muito pior do que a enfermidade.”

            (Santiago do Chile, outubro de 2007)

O Aborto e o Argumento do Violinista

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Fonte da imagem: http://theleadingedgeblog.com/is-this-the-weirdest-pro-choice-argument-ever/

 

Recentemente, uma conhecida minha pediu para que eu escrevesse algo acerca de um “argumento” (chamemos assim) a favor do aborto conhecido como “argumento do violinista”. Como eu não sabia do que se tratava, busquei inteirar-me do assunto na internet. Eis aqui a pérola:

“De manhã (você) acorda e descobre que está numa cama adjacente à de um violinista inconsciente – um violinista famoso.[1] Descobriu-se que ele sofre de uma doença renal fatal. A Sociedade dos Melómanos [dos apreciadores de música] investigou todos os registos médicos disponíveis e descobriu que só o leitor possui o tipo de sangue apropriado para ajudar. Por esta razão os melómanos raptaram-no e, na noite passada, o sistema circulatório do violinista foi ligado ao seu, de modo a que os seus rins possam ser usados para purificar o sangue de ambos. O director do hospital diz-lhe agora: ‘Olhe lamento que a Sociedade dos Melómanos lhe tenha feito isto – nunca o teríamos permitido se estivéssemos a par do caso. Mas eles puseram-no nesta situação e o violinista está ligado a si. Caso se desligasse matá-lo-ia. Mas não se importe, porque isto dura apenas nove meses. Depois ele ficará curado e será seguro desligá-lo de si’. De um ponto de vista moral, o leitor teria a obrigação de aceitar esta situação? Não há dúvida de que aceitá-la seria muito simpático da sua parte, constituiria um gesto muito generoso. Mas teria de aceitá-la?[2]

O argumento teria sido brilhantemente elaborado pela Sra. Judith Jarvis Thomson no Ano da Graça de 1.971 e visa convencer o leitor, por meio de uma “analogia” (novamente, chamemos assim), de que o aborto é moralmente lícito, pois, da mesma forma que a mulher no caso não estaria obrigada a sustentar a vida do violinista que depende de seu corpo, uma mãe não estaria obrigada a manter a vida do bebê em seu ventre. Se a primeira optar por ser boazinha para com o violinista, ótimo; se optar por não se submeter a esta situação, não estará fazendo nada que não esteja dentro dos limites de sua atuação moral. Da mesma forma, se uma mulher grávida optar por levar adiante sua gravidez, tanto melhor para o bebê; mas, se optar por interrompê-la, ninguém a pode criticar por isto.

Acho que o leitor entendeu aonde o argumento quer chegar.

Mas há um problema sério com esta “analogia”. E, descoberto este problema, percebe-se o quão boboca é esta “linha de argumentação”.

O problema é que a “analogia” desconsidera, por completo, a relação de maternidade existente entre uma mulher e seu filho. Entre uma pessoa qualquer e um violinista desconhecido, não há relação alguma que a obrigue sustentar a vida deste último; entre uma mãe e seu filho, existe uma natural obrigação desta em fazer o possível para viabilizar a sobrevivência do primeiro.

De fato, o argumento, ao contrário do pretendido, não encerra uma analogia verdadeira, pois esta pressupõe semelhança. A mãe é coautora do filho, juntamente com o pai, filho esse que não existiria sem ela, ao passo que o violinista não tem uma relação de causalidade com a mulher, ostentando uma existência preexistente ao episódio retratado, fato que por si só afasta a veracidade da tese argumentativa.[3]

A “analogia”, desconsiderando (na verdade, encobrindo) um dado fundamental, revela-se analogia nenhuma, surgindo, agora, aos olhos de todos, como um mero e desonesto sofisma.

Dou alguns exemplos para deixar claro qual é o meu ponto.

Suponhamos que uma mulher é sequestrada e conduzida a um hospital no qual está um violinista famoso. Suponhamos que este violinista tem uma doença rara, porém passageira, e que depende para sobreviver, enquanto a doença não for debelada, de leite produzido por glândulas mamárias femininas. Suponhamos, ainda, que, num azar danado, a única mulher capaz de produzir leite compatível com o organismo do violinista seja justamente a sequestrada. Pergunto: ela tem alguma obrigação moral em permitir que o músico azarado passe meses sugando seus seios?

Alguém que nos lê responderia afirmativamente?

Pois, mudemos “um pouco” o quadro. Suponhamos que uma mulher esteja com seu filho recém-nascido e que a única fonte de alimentação viável para o bebê seja o leite materno. Pergunto: a mulher agora tem a obrigação de deixar que a criança dela se alimente?

O leitor percebe o quanto o dado da “relação de maternidade” altera completamente o quadro? No primeiro caso, a mulher não tem obrigação nenhuma em amamentar o violista; no segundo, se deixar a criança morrer de inanição estará cometendo homicídio por omissão.

E é esta a exata diferença entre um violista qualquer e o fruto do ventre de uma mulher.

Veja-se outro exemplo.

Suponhamos que, no mesmo caso narrado no argumento, tenhamos uma violinista mulher, e não um homem. Suponhamos, ainda, que esta violinista calhe de ser justamente a mãe da pessoa sequestrada. Sim: que seja aquela mulher que a carregou em seu ventre por nove meses, que a amamentou outros tantos, que perdeu noites e noites de sono para protegê-la e que deu o melhor de sua vida em função da sequestrada.

Pergunto: mesmo assim esta última está moralmente desobrigada de sofrer um certo incômodo por nove meses para salvar a vida da mãe?

Tenho certeza de que, agora, o número de pessoas que responderia afirmativamente a esta pergunta seria bem menor, se é que não seria nulo.

Como se vê, a relação de maternidade muda completamente o cenário, tanto do lado da pessoa que necessita do corpo da sequestrada quanto do lado desta mesma.

Retire este dado fundamental e qualquer pessoa pode montar qualquer “analogia estapafúrdia” que desejar. Traga este dado para dentro do raciocínio e um quadro absolutamente diverso se descortina.

E isto, por si só, já basta para que o argumento do violinista seja colocado em seu devido lugar.

Mas gostaria ainda de tecer algumas pequenas considerações. Vamos lá:

1) O argumento parte do pressuposto absurdo de que todo ser humano é, no fundo, um sanguessuga, um parasita de sua mãe. Tamanha distorção e aversão patológica da realidade revelam uma incapacidade assustadora de simplesmente perceber a natureza das coisas e de raciocinar de acordo com ela.

2) A rigor, levado a sério o argumento, a mulher teria direito de abortar até minutos antes de iniciar-se o trabalho de parto. Não é porque ela resolveu ser bacaninha por quase nove meses com o pequeno parasita em seu ventre que obrigatoriamente deverá suportá-lo, ainda, mais alguns minutos. Se ela podia desligar o corpo do bebê do seu próprio já no começo da gestação, então, continua podendo desligá-lo no final, já que a situação ontológica é a mesma.

Gostaria de saber quantos dos que adotam este argumento absurdo estariam dispostos a aceitar mesmo esta última consequência dele.

3) Curiosamente, as feministas que se utilizam do argumento do violinista apelam para um senso comum de moralidade com relação à situação da pessoa sequestrada e ligada ao corpo do músico. Não haveria nada de errado com isto se, ao projetar a situação para o caso de uma gravidez indesejável, elas imediatamente não exigissem do interlocutor que, agora, coloque de lado este mesmo senso comum de moralidade (que impiedosamente milita contra o aborto) e fique apenas com a analogia.

4) Mais curiosamente ainda, o argumento pressupõe que o interlocutor tome o feto como sendo um ser humano à parte da mãe e que vive às custas desta.

Muito bom!

Mas pergunto: como ficam as décadas de argumentação no sentido de que o feto é mera parte do corpo da mulher e que, portanto, esta pode fazer daquele o que bem entender?

5) Ainda que nos acusem de uma certa provocação, não podemos deixar de notar que boa parte dos argumentos em favor do aborto apelam para o “conforto” ou “vida econômica” da mulher. Então, tem-se a “analogia” melhoraria um bocadinho se fosse assim: “Uma mulher, deu causa (ainda que involuntária) à doença de um violinista (não nos esqueçamos que a mãe gerou o bebê em seu ventre) e mantém a vida dele; seria lícito ela abandoná-lo, matando-o para poder passear no shopping ou ir ao cabeleireiro?”

Haveria ainda outros pontos a serem destacados, mas fico com estes.

Como se vê, o argumento varia de estapafúrdio a intelectualmente desonesto. E o simples fato de que defensores do aborto façam uso dele revela o quão frágil é a defesa racional deste crime. Tivessem argumentos melhores e fariam questão de não passar a vergonha de lançarem mão desta analogia equivocada.

 

Autores: Alexandre Semedo de Oliveira – Juiz de Direito

Raquel Machado Carleial de Andrade

 

[1] De plano, há de se ressaltar o caráter elitista do argumento. Note o leitor que o personagem é um “violinista famoso”, apelando, assim, para um caráter sentimental e subjetivista. Mudaria o argumento se o personagem fosse um “pedreiro ordinário”? Atrairia mais a simpatia do público leitor e o afastaria das conclusões desejadas pela autora da “analogia”?

 

[2]Fonte: http://duvida-metodica.blogspot.com.br/2010/05/o-argumento-do-violinista.html

[3] A comparação esdrúxula melhoraria um pouco se fosse revista para situar a pessoa sequestrada como tendo dado causa à “doença” do violinista. Isto porque o bebê não “existia antes de estar no útero materno” e não está lá por caso fortuito.

 

 

OS ESTUDANTES QUE NÃO ESTUDAM

ocupação

Fonte da imagem: http://www.revistaforum.com.br/2015/12/15/estudantes-de-escola-ocupada-em-sp-relatam-assedio-de-pais-e-funcionarios/

Não sou tão velha e não me recordo, ao longo da minha vida acadêmica, de ver tantos estudantes “preocupados” com tudo, menos com os estudos.

A festejada “democracia” chegou aos bancos escolares e domina a ‘PÁTRIA EDUCADORA”.

Diuturnamente, a mídia registra atos de estudantes, ora ocupando escolas e reitorias, ora ocupando assembleias legislativas, cujas pautas de reclamação, de cunho nitidamente ideológico, voltam-se a questões políticas.

Por outro lado, nunca se viu uma ocupação em que o objetivo fosse melhor capacitação do corpo docente por meio de um sistema de avaliação de desempenho, impondo a demissão na hipótese de não cumprimento da meta imposta, melhores laboratórios para aulas práticas de ciência, bibliotecas com bom acervo, material didático de melhor qualidade e sem doutrinação marxista, instalações escolares dignas, aulas bem dadas, cumprimento integral da carga horária sem greve de professores financiados por sindicatos, etc.

Afinal, tudo isso tornaria o ensino algo sério, apto realmente a levar conhecimento aos alunos, mas isso é demais para esses jovens que tudo sabem. Aprender pressupõe humildade, ciência de suas limitações e sede de saber. Enfim, tudo o que nossos jovens desprezam.

Em outros tempos, administravam-se aos que queriam aprender o Trivium (Gramática, Retórica e Lógica) e o Quadrivium (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música), as chamadas Artes Liberais, que, em síntese, representavam um verdadeiro projeto de educação, capaz de fazer progredir o aluno tanto em seu saber quanto em sua vocação mais alta. Capaz, em suma, de apefeiçoá-lo tanto no tocante às faculdades da mente quanto no tocante às do espírito. Esse projeto remonta a alguns autores entre os Santos Padres do início da cristandade, os quais se inspiraram, por sua vez, nas concepções expostas na “República” de Platão, mas, em nossos tempos,foi praticamente sepultado.

Outrossim, para que haja educação, é preciso que tanto os professores queiram ensinar quanto haja alunos realmente interessados em aprender.

Nesse projeto de destruição da Educação, os uniformes escolares foram abolidos na grande maioria das escolas públicas e até mesmo na rede particular já há escolas que dispensam seu uso obrigatório. O professor, autoridade na sala de aula, deixou se ser “senhor” para ser o igualitário “você”, com direito a ser ofendido moral e fisicamente pelos alunos “politizados”, não raras vezes ofendido por não poderem usar seus Iphones, fumar seu cigarrinho, escutar música, conversar com amigos, fazer mercancia de drogas ilícitas etc.

Recentemente em uma escola privada do sul do Brasil, alunas se sentiram no direito de reclamar o uso de shortinho (http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2016/02/alunas-fazem-mobilizacao-pelo-uso-do-shorts-em-escola-de-porto-alegre.html), contrariando as posturas de vestimenta da escola, as quais foram aceitas por seus responsáveis no ato da matrícula.

O leitor percebe que desde há muito o Brasil padece da desconstrução do modelo tradicional de Ensino, com apoio em Paulo Freire, guru da intelectualidade tupiniquim, corrompendo o ambiente escolar?

É lícito que os alunos tomem controle da escola, paralisem as aulas, impeçam a entrada de professores e de outros alunos no recinto, prejudicando o já deficitário ensino?

O Brasil parece estar moribundo e entorpecido; suas autoridades constituídas parecem ter se rendido e aberto mão de poder de polícia inerente ao Estado. Estamos reféns.

A nós, juízes, resta-nos, uma vez judicializada a questão, garantir àqueles que ainda querem estudar o direito de aprender e aos docentes dispostos a transmitir conhecimento o direito de fazê-lo.

 

Zumbi de VAR-Palmares

Diz o Código Civil que não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. Todavia, pode-se conversar a respeito…

Na prática, quando o cadáver já cheira mal, mas teima em ser sepultado, pois mantido artificialmente por aparelhos (ou, em analogia mais apropriada ao nosso caso, por aparelhamentos), inevitável que os herdeiros comecem a medir o espólio.

No caso do Brasil, já se calcula a herança maldita decorrente de 13 anos de populismo irresponsável: um esqueleto de “apenas” 600 bilhões de reais, que tende a aumentar quando se tiver acesso aos dados não adulterados pela quadrilha[1].

Mas o inventário negativo da terra arrasada e da pátria espoliada não se limitará às questões econômicas, pois nem só de incompetência e corrupção vivia o cadáver, mas de nefandas palavras vindas das pestilentas bocas de Marx, Lênin et caterva. O abalo às instituições e os danos culturais são gravíssimos, sendo, agora, necessárias décadas para amenizar o estrago.

Sobre a corrupção, bradam os que se revoltam contra um imaginado pacta corvina, mas aplaudem o comprovado pactum sceleris: “- Já existia antes!”

Sim, existia, decerto. Mas nunca nos patamares atuais, nunca elevada ao status de instituição permanente da “democracia” (no sentido que lhe dão a de cujus e seu mentor), nem tampouco tombada como patrimônio cultural do povo brasileiro.

Diante da ameaça do cadáver insepulto de continuar – à margem da lei, como de costume – com os tentáculos agitados fora do túmulo (tal qual rabo de lagartixa), assombrando o país com o fumo de pneus queimados e charutos cubanos, em dimensões ou governos paralelos, é inevitável lembrar dos antigos filmes de zumbis comedores de cérebros humanos. Afinal, foi justamente corroendo a capacidade de pensar do povo, mediante lavagem cerebral nas escolas e universidades dominadas por doutrinadores de esquerda (além do incentivo ao uso de entorpecentes), que os mortos muito vivos se multiplicaram como ratos e se mantiveram vivos fazendo-se de mortos.

Merece nota uma curiosa variante no enredo dessa película macabra em que vivemos: tão temerosos são os vilões, que as combalidas esperanças da plateia recaíram sobre o mordomo do filme de terror…

Não basta, pois, tirar a zumbi sapiens e seus asseclas do poder: é preciso, com urgência, retomar as escolas e universidades das mãos dos filhos das trevas, para que parem de se multiplicar e o Brasil possa voltar “à luz do céu profundo, iluminado ao sol do novo mundo”.

[1] http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/heranca-maldita-do-pt-esqueletos-deixados-pelo-governo-dilma-podem-passar-de-r-250-bilhoes/

A morosidade do Judiciário – Uma primeira análise

A poucos quarteirões de minha casa existe um supermercado de renome. Localizado numa rotatória, e em razão das dificuldades de tráfego, a autoridade competente tomou a resolução de proibir o estacionamento de veículos na frente do estabelecimento, em uma faixa de cerca de quinze metros, devidamente sinalizada com tinta amarela e uma placa presa ao poste logo acima.

Debalde. Para minha indignação, sempre que passo pelo local deparo-me com a presença de automóveis estacionados na área proibida, sob a placa que, a esta altura um mero e inútil adorno, insiste em ser ignorada.

Decerto, com as dificuldades atuais de se encontrar local na via pública para estacionar, e desprovidos de tempo e paciência para disputar uma vaga no estacionamento interno do supermercado, poucas pessoas resistem à tentação de parar seu automóvel naquele espaço privilegiado, bem em frente à porta de entrada da loja.

Porém, olvida-se que tal atitude, embora, para muitos, sem maior gravidade, evidencia algo muito mais sério: a dificuldade de grande parte da população – e não raro, do próprio Estado – de cumprir regras.

Com a mesma desenvoltura com que se descumpre regra trivial de trânsito, deixa-se de cumprir um contrato, ou pagar uma dívida, ou, de modo geral, de respeitar o direito alheio. E, não raro, e cada vez mais, tais questões terminam por desaguar no Poder Judiciário, que, no país todo, já conta com aproximadamente cem milhões de processos em andamento.

Muito se discute sobre as causas da chamada morosidade da Justiça. Várias são as hipóteses (sempre) levantadas: grande quantidade de recursos, excesso de formalismo, falta de juízes, investimentos insuficientes no setor etc.

Como resultado: a necessidade de alterar a legislação processual, a criação de metas pelo Conselho Nacional da Justiça, a tentativa de se difundir, a fórceps, a cultura da conciliação, e outras medidas pontuais que, se pouco contribuem para a solução do problema, ao menos transmite um sopro de esperança à opinião pública sedenta por rapidez na solução dos conflitos.

Não é o intuito deste pequeno artigo analisar e tecer críticas a cada medida adotada nos últimos anos para combater a morosidade do Poder Judiciário – o que certamente terá lugar apropriado neste blog.

O que se busca é tentar contribuir com o debate, apresentando o que está na raiz do problema, a causa primeira de todos os males que se atribuem, muitas vezes injustamente, ao Poder Judiciário: antes de tudo, está a decadência moral da sociedade, que leva à resistência e à dificuldade de se cumprirem as regras necessárias à boa convivência. Ou, de forma mais simples: cumprir a lei.

Houve tempo em que ser parte em processo judicial era algo desonroso, em regra, impensável a um pai de família. (Ainda hoje, para os mais velhos, ir ao Fórum depor como simples testemunha é motivo de apreensão, como muitos nos confidenciam.)

Houve tempo em que a palavra empenhada valia mais que qualquer documento; que a caderneta da venda representava mais que qualquer nota promissória; que descumprir um acordo era uma desonra e voltar atrás no combinado (hoje conhecido como “discutir ou rever o contrato”) era impensável. “O combinado nunca era caro”, dizem nossos pais.

Houve tempo em que se respeitava a autoridade. A começar pelo pai, passando pelo professor, o padre, o policial e, somente em casos extremamente excepcionais, chegava-se ao juiz. O Poder Judiciário cuidava de coisas mais graves, como, por exemplo, os poucos crimes que porventura eram praticados.

Hoje, o Poder Judiciário se transformou em um grande balcão de cobranças de dívidas e palco de discussões de contratos, de particulares e entes públicos. Além de sua finalidade precípua de dizer o direito, o juiz é conciliador, mediador, psicólogo, assistente social, além de dedicar parte de seu escasso tempo a preencher planilhas e preocupar-se com metas de julgamento, como se cada processo não passasse de um número. As unidades judiciárias transformaram-se em verdadeiras linhas de produção de decisões, que, se nem sempre fazem justiça, ao menos atendem às metas.

Em suma, a causa primeira das maiores mazelas do Judiciário – e a morosidade, que também favorece a grande parcela, diga-se, é apenas uma delas – é, sem dúvida, a decadência moral da sociedade. Enquanto não retomarmos os valores que devem reger a boa convivência social, a ética, os princípios que nos proíbem de lesar o próximo e nos impõem o dever de fazer o bem, enquanto isso não for o norte de nossas condutas, não haverá reforma legislativa ou metas de produtividade que lograrão solucionar os problemas que afligem o Poder Judiciário.

NEMÉRCIO RODRIGUES MARQUES – Juiz de Direito no Estado de São Paulo.

 

Do Impeachment à Reconquista

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Nossos antepassados da Península Ibérica perderam sua terra em pouco mais de 10 anos. Praticamente toda a região em que hoje estão Portugal e Espanha foi tomada pelos mouros em pouquíssimo tempo, até o momento em que os invasores bateram de frente com a altivez inquebrantável de Pelayo e cessaram seu avanço. Mal sabiam eles que, ali, naquela primeira vitória do ibéricos, iniciava-se sua derrota total. Nos séculos que se passaram, ano após ano, palmo de terra após palmo de terra, nossos antepassados reconquistaram, a duras penas, o que haviam perdido a toque de caixa. Nunca desistiram. Jamais deixaram de lutar até que a vitória fosse completa.

 

E, nesse processo de reconquista, surgiram Portugal e Espanha. Dessa guerra épica, como broto tardio, nosso próprio país foi gerado. E, tal qual ocorrera com os ibéricos do século VII, nos últimos anos vimos a alma do brasileiro ser tomada por inimigos revolucionários, a ponto de, ao menos para muitos, não ser mais possível recuperarmos o que havíamos perdido.

 

Pois bem.

 

No dia de hoje, a presidente da República, após o devido processo legal, acaba de ser afastada de suas funções. Teoricamente, pode a elas retornar caso o Senado, presidido excepcionalmente pelo mais alto Magistrado brasileiro, não a condene em 180 dias. Mas quase todos dão por certo que, com o afastamento, dado o cenário político atual, não há retorno provável.

 

Seja como for, o momento é histórico. E não o é simplesmente porque qualquer impeachment sempre é um acontecimento epocal, capaz de mudar a história mesma de um país. Antes, o acontecimento é histórico porque simboliza algo de extraordinário nesta terra que nasceu para ser de Santa Cruz: ele representa o influxo mesmo da revolução mencionada, que, conforme já dito, parecia destinada a destruir de vez a alma do povo brasileiro e a transformar nossa sociedade para sempre.

 

Com o afastamento da presidente, sai de cena, ao menos temporariamente, o partido que, desde os anos oitenta do século XX, mais encarnou os ideais revolucionários com vistas a impor ao Brasil a agenda da Nova Ordem Mundial. E sua saída se dá num momento em que forças conservadoras (umas mais, outras menos) começam a perceber claramente o que está acontecendo, levantando-se para tentar reverter o mal que já foi feito.

 

E, se é verdade (como temos afirmado há tempos) que o Poder Judiciário tem sido ao mesmo tempo ponta de lança e vítima desta revolução, não é menos verdade que, dentro desse mesmo Poder Judiciário, muitos juízes há que começam também a perceber o avassalador avanço dela, que desejam fazê-la parar e, na medida do possível, retroceder.

 

Há, enfim, muitos juízes (e, aparentemente, o número deles só faz crescer) dispostos a lutar para tomar de volta a Magistratura das mãos da revolução.

 

Mas não sejamos tolos.

 

É necessário que as forças conservadoras se deem conta de que o atual momento, de que a atual derrota das forças revolucionárias, é apenas isso: uma derrota. É verdade que a derrota é acachapante e desmoralizadora. É verdade que ela deixa aberto um rombo aberto no muro da cidade inimiga pelo qual se pode invadí-la e riscá-la do mapa. Mas, mesmo assim, é apenas uma derrota. E, se a vitória não for seguida de novas lutas (ainda mais duras), então, teremos perdido a chance histórica que a Providência Divina parece, num ato de compaixão ao nosso povo, ter-nos dado.

 

É por isso que, também no lado da Magistratura, a luta deve continuar.

 

O Movimento de Magistrados para a Justiça surgiu justamente do desejo de lutar para que a Magistratura deixe de ser agente e vítima da revolução; para que se livre do movimento revolucionário e para que retome seu lugar e seu devido status dentro do cenário nacional.

 

O momento é propício para isso.

 

Devemos, pois, seguir lutando. Sem medo de chacotas. Sem receio de represálias. Sem medo de defender o bem e a verdade. Sem medo, portanto, de reconhecer que existe um bem objetivo e uma verdade que podemos contemplar.

 

Sem medo, enfim, do campo de batalhas.

 

Tal como nossos antepassados fizeram a partir de Pelayo, é necessário avançarmos continuamente a partir de agora, até que a vitória seja completa.

 

Sem isso, o momento histórico que vivemos será lembrado no futuro como uma vitória de Pirro. E nós, como a geração que desperdiçou aquela que pode ter sido a última chance de salvar a Magistratura e de fazê-la, mais uma vez, brilhar aos olhos da Nação.

 

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Rendição de Granada e o final da Guerra de Reconquista

LINGUAGEM JURÍDICA NO DIVÃ

Recentemente, no final do expediente, entrou uma senhora no gabinete dizendo que queria ver o “acordeão” do processo. Disse para ela esperar e solicitei o processo do cartório. Como já desconfiava, a senhora não queria um acordeão, mas informações sobre o “acórdão”, o nome dado à decisão colegiada dos tribunais, que foi juntado naquele processo.

Alguns dias depois, recebi uma ordem judicial de outra comarca, cuja finalidade consistia em determinar o cumprimento de um mandado de prisão, com a seguinte pérola ao final do despacho: “Preso, encaminhe-se o devedor ao ergástulo público”. Ergástulo é o outro nome de “cadeia”. Deu vontade de soltar o sujeito, para o bem do mundo do direito…

Nós, os profissionais do direito, sofremos de uma incapacidade, que vem desde a faculdade, de nos comunicarmos com o resto do mundo de maneira clara. Vivemos da palavra lida, interpretada e falada, mas somos incapazes de nos fazermos lidos, interpretados e falados. Dizemos tudo para nós e nada para os outros, justamente aqueles que são afetados diretamente por nossas decisões e conselhos.

Mesmo no âmbito jurídico não é diferente: uma vez, participei de um debate em que não consegui entender as ideias dos dois outros professores que dividiam a mesa comigo. Alguém mais inteligente da plateia perguntou-me se, entre gregos e troianos, minha posição teórica seria intermediária. Respondi que não sabia, porque não havia entendido nem o grego e nem o troiano. E, imediatamente, corrigi-me: como estava “boiando”, minha posição só podia ser a intermediária mesmo, porque, afinal, o mar Egeu separava ambos os territórios. E, no lugar da tábua de salvação, agarrava-me a um dicionário…

Várias são as causas dessa linguagem apenas acessível aos “iniciados”: divisão do Direito em áreas cada vez mais especializadas, pedantismo bolorento, instrumento de controle social, tecnicismo exagerado, latinismo retrógrado, vaidade vocabular, manipulação retórica, violência simbólica erudita e autoritária e, como bem lembrou uma amiga de longa data, o “adjetivismo”, a mania de acrescentar dois, três ou quatro qualificativos aos substantivos, os quais, depois de tanta adjetivação, acabam perdidos no contexto da frase.

Se o leitor acha que já sabe tudo sobre o recurso dos embargos, em razão do julgamento do mensalão, engana-se. Revendo minhas antigas anotações de aula sobre o assunto, ali consta que “os embargos têm natureza multifária (‘multi’ o quê?) e são de espécie anfíbia (será que dormia na cadeira?), podendo ser classificados em embargos declaratórios, embargos de divergência, embargos infringentes e embargos infringentes do julgado (conhecidos também por embargos menores ou embarguinhos)”. De lá para cá, não houve qualquer perigo de melhora no hábito de adjetivar…

Não estou aqui a defender uma linguagem totalmente coloquial na comunicação jurídica. Muitos termos técnicos são necessários e muitas expressões latinas representam um saber perene acumulado, um princípio já consolidado pelo Direito ou, até hoje, não têm uma tradução fiel para nossa língua. O habeas corpus, que não é de origem romana, mas inglesa, é um bom exemplo disso. Etimologicamente, quer dizer, “que tenhas teu corpo”; para um réu que conheci, tinha um interessante significado: depois de soltá-lo no final de uma audiência, por ordem do tribunal, ele me agradeceu por ter recebido o “abre as porta”. A sabedoria popular sempre tem algo a nos ensinar…

A preocupação com esse linguajar hermético já “sensibilizou” até mesmo o legislador. Houve projeto de lei no Congresso Federal, obrigando os juízes ao emprego de uma linguagem simples, clara e direta, arquivado posteriormente. Ainda bem, porque a solução do problema não passa por uma resposta legal, mas por uma mudança cultural.

Poupando o leitor do latinório básico, já se foi o tempo para um “vetusto vernáculo manejável no âmago dos sodalícios judiciais que, a partir da peça inaugural, fulminava as súplicas petitórias, insculpindo um vácuo de reverberação no âmbito de cognoscibilidade dos utentes forenses, sem que se sobejasse no beneplácito destes”.

É hora de aposentar os substantivos de fraque e cartola e os adjetivos de luvas e polainas, em prol de uma linguagem acessível ao entendimento alheio. Em “juridiquês”, malgrado minha reverência ao libelo de outrem, cuida-se do que especulo. Ou, em português, com respeito à divergência, é o que penso.

Uma Nova Classe de Inimputáveis.

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Ativistas da Femen invadem a Catedral de Notre Dame. Fonte da imagem: http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2013-02-12/ativistas-do-femen-invadem-notre-dame-para-comemorar-saida-de-bento-16.html

 

Os leitores deste blog que estão acostumados ao jargão jurídico sabem bem o que é inimputabilidade. Mas, como nem todos estão, convém explicar rapidamente o significado desse conceito tendo em vista o que se diz a seguir, deixando, para tanto, o rigor técnico de lado.

 

Tem-se que imputável é aquela pessoa que, tendo praticado um ato definido como crime, pode receber a pena correspondente ao delito. Desta forma, inimputável é aquele que, tendo-o praticado, não pode receber a pena, pois a lei o elegeu como sujeito a ser protegido e não a ser punido. Em geral, são inimputáveis os que não têm condições de conhecer o caráter ilícito de sua conduta, razão pela qual não devem ser punidos por ela. Exemplos clássicos de inimputáveis são os loucos (que efetivamente não conhecem a ilicitude de seus atos) e os menores (que a lei pressupõe não conhecerem – se tal presunção é ou não correta não será aqui discutida).

 

Qualquer povo civilizado percebe claramente que, se uma criança de três anos pegar um revólver e, pensando tratar-se de um brinquedo, matar alguém que esteja por perto não poderá ser punida por isso. Da mesma forma, qualquer nação desenvolvida aceita tranquilamente a ideia de que, se um louco completo bater num vizinho não deve ser mandado para a cadeia, mesmo que o fira gravemente.

 

Contudo, nossos tempos têm assistido ao surgimento de uma nova classe de inimputáveis. Trata-se de uma inimputabilidade que nem está prevista em lei e nem se fundamenta na ausência de vontade ou de compreensão do agente de um ato tido por criminoso. Antes, trata-se de uma inimputabilidade que reside apenas no fato de que o criminoso em questão pertence a um determinado grupo social que a Nova Ordem elegeu como digno de proteção.

 

Funciona mais ou menos assim. A Nova Ordem escolheu alguns grupos aos quais dar uma proteção especial. São grupos que atuam, em conjunto ou separadamente, pela destruição do Ocidente, especialmente pela ruína do cristianismo e de seus valores, que constituem o principal obstáculo para que a própria Nova Ordem se estabeleça. São grupos como os homossexuais, os muçulmanos, as feministas, os esquerdistas, etc..

 

Algumas pessoas que compõem esses grupos, cientes de que estão protegidas pelo simples fato de a eles pertencer, passam a atuar de forma a cometer crimes e mais crimes, levando o horror à vida das pessoas comuns e o caos ao seio das sociedades ocidentais, praticando impunemente atos que, fossem praticados por indivíduos normais, conduzi-los-iam à cadeia.

 

Os exemplos repetem-se às centenas. Cito apenas alguns a guisa de ilustração do que estou afirmando.

 

Nas celebrações do último Réveillon, na cidade de Colônia, na Alemanha, houve a perpetração de estupro coletivo contra mulheres locais por jovens muçulmanos que adentraram na Europa como imigrantes ou refugiados. Os estupradores agiram na certeza de que ficariam impunes, havendo mesmo relatos de vítimas que afirmam terem ouvido que, sendo imigrantes, nada podiam fazer contra eles, pois tinham proteção do governo local.

 

Na Inglaterra, em Rotherham, fato semelhante (porém imensamente mais grave) ocorreu. Por anos a fio, jovens locais foram vítimas de violência sexual por parte de imigrantes muçulmanos e, embora procurassem ajuda das autoridades e de serviços sociais, não receberam nenhuma proteção, pois tanto a polícia quanto os demais agentes públicos temiam que, caso atuassem para protegê-las, viessem a ser taxados de islamofóbicos. E isso, na melhor das hipóteses, é algo que arruinaria suas reputações; e, na pior delas, acarretaria a demissão pura e simples de seus empregos. Provavelmente, algumas centenas de milhares de jovens foram impunemente molestadas e imoladas no altar da nova inimputabilidade num dos países mais civilizados do mundo…[1]

 

Mundo a fora, ativistas da “Femen” agem da forma mais despudorada possível, mesmo em ambientes sagrados. Num episódio que se tornou emblemático, elas despiram-se dentro da Catedral de Notre Dame e danificaram um dos sinos da igreja, mas foram absolvidas (inimputáveis que são, o que se esperava?), sendo que os policiais que agiram para fazer cessar a cena bizarra acabaram, eles próprios, condenados.[2]

 

Como se vê, um inimputável, por definição, é alguém mais merecedor de proteção do que de pena.

 

No Brasil, a situação não é muito diferente.

 

Integrantes de “movimentos sociais” atuam literalmente acima da lei. Proferem ameaças contra as autoridades constituídas. Invadem propriedades privadas e prédios públicos. Destroem plantações. Matam gados. Aniquilam trabalhos científicos. Bloqueiam estradas. Tudo sob o manto da mais completa impunidade, sem que as autoridades, muitas vezes, sequer se preocupem de persegui-los criminalmente. E, não raro, as poucas que o fazem acabam sofrendo punições.

 

O problema com esta nova classe de inimputáveis é que, conforme já dito, a proteção de que gozam, além de não estar prevista na lei, fundamenta-se em razões diversas daquelas que sustentam a inimputabilidade clássica. Assim, os novos inimputáveis parecem agir não somente à margem do Ordenamento Jurídico, mas mesmo acima dele, exibindo orgulhosamente os sinais de seu status de queridinhos da Nova Ordem mundial.

 

Diante de tal quadro, o que fazer? Como atuar, senão para sanar o problema, ao menos para minorá-lo, fazendo com que as pessoas comuns voltem a sentir que estão minimamente protegidas contra esse tipo de gente?

 

Bem, uma vez que a nova inimputabilidade não se radica na lei, nós, juízes e demais agentes do direito, ainda podemos invocar a própria lei para miná-la, fazendo-a incidir exemplarmente sobre os inimputáveis da Nova Ordem. Assim agindo, ao mesmo tempo em que deixamos claro que a expressão “império da lei” ainda não é meramente retórica, abalamos a sensação de impunidade que mais e mais vai se alastrando, assinalando no sentido de que não permitiremos, goste disto a Nova Ordem ou não, que pessoas sejam colocadas acima do Ordenamento Jurídico justamente de onde podem miná-lo.

 

Basta que nós façamos sentir o peso de nossas penas para que aos poucos a razoabilidade retorne ao dia a dia dos povos.

 

Mas, para isso, no cenário atual, é necessária uma certa dose de coragem.

 

E o receio deste escriba é justamente que seja esta a dose que nos falta.

 

[1] O leitor pode ter uma ideia da gravidade do ocorrido acessando o seguinte link (entre tantos outros à disposição na internet: http://www.frontpagemag.com/fpm/250972/one-million-child-victims-muslim-rape-gangs-uk-arnold-ahlert)

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/09/140910_femen_inocentadas_df_rb [2]

 

 

A CRISE É MORAL

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“O que você é hoje, nós já fomos; o que nós somos hoje, você será” (Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Capuchinhos, Roma)

Já nos fins do século XIX, Leão XIII ensinava que a crise era moral, e de lá para cá as coisas só pioraram. Prova irrefutável dessa afirmação é a constatação de que ao lado do recrudescimento dos crimes perpetrados com emprego de violência contra a pessoa, já abordados, houve o aumento dos crimes de “colarinho branco”, vivendo a sociedade brasileira momento único em sua história no tocante à corrupção ativa e passiva envolvendo altos escalões dos poderes constituídos e grandes empresários, tudo a demonstrar que as condutas criminosas permeiam todos os setores da sociedade.

Ora, se assim é, afasta-se a tese socialista de que o homem é levado à prática de crimes por questões sociais.

A sociedade moderna pauta-se pelo “ter” em detrimento do “ser”. Na busca desesperada por bens materiais, sobretudo os que encerram tecnologia de ponta, da beleza e juventude eternas, cada vez mais o ser humano afasta-se de seu Criador,  procurando a felicidade nesses mesmos bens, esquecendo-se de que ela consiste na “contemplação da Verdade”, a qual só será possível quando o homem, “substância individual de natureza racional”, se der conta da finitude desta vida e de todos esses bens perseguidos.

Ao lado dessa escalada da criminalidade, constata-se também o aumento exponencial no uso de ansiolíticos, antidepressivos, etc., além do consumo de drogas já em tenra idade, tudo a confirmar que o homem moderno é infeliz e não suporta “carregar suas cruzes”, conviver com a doença e a decrepitude, inerente ao envelhecimento, sem falar nos fracassos e nas perdas, exatamente porque lhe falta a vida espiritual.

Há de observar que essa crise moral em solo pátrio corresponde aos idos dos anos 70, em que a televisão passou a fazer parte dos lares brasileiros, em que as leis, afastando-se da moral católica dominante, passaram a contemplar o divórcio, abrindo o caminho para o aniquilamento da família.

A sociedade é composta por grupos intermediários, dentre os quais se sobressai, pela sua importância, a família, já que todo ser humano nasce em uma, sendo a função precípua do Estado garantir a unidade, a paz pública e a segurança, promovendo o “bem comum” do todo social, ou seja, “o conjunto de condições externas adequadas a permitir o pleno desenvolvimento dos homens, das famílias e dos grupos sociais integrantes da sociedade” (in Dicionário de política, José Pedro Galvão de Sousa, Clovis Lema Garcia e José Fraga Teixeira de Carvalho, T. A. Queiroz Editor, São Paulo, 1998, p. 61).

Há de se ressaltar diversas outras leis posteriores, dentre elas podemos citar a “Lei da Palmada”, cuja mens legis é diminuir o poder parental e o direito e dever dos pais de educarem seus filhos, repreendendo-os quando necessário, uma vez que, para os abusos e maus tratos, já existia a tipificação penal (crime de lesão corporal, homicídio etc). É mais uma lei de cunho marxista.

Sem os valores católicos até então predominantes, com os lares sendo invadidos por uma programação midiática voltada para a destruição da família, paulatinamente aqueles valores deixam de ser transmitidos. Com isso perde-se a tradição, o que, somado à educação de cunho ideológico que assola as escolas deste país (http://spotniks.com/5-exemplos-de-como-a-doutrinacao-ideologica-atua-na-educacao-brasileira/), cria o terreno fértil para que a “autoridade” em todos os níveis, desapareça, e o homem seja dominado pela concupiscência, na certeza da não punição Estatal.

O homem sem Deus, considera-se o próprio “Deus”.

Dessa forma, se as leis constituídas falham em garantir aos integrantes da sociedade aquele fim último que justifica a existência do próprio Estado, há de se perquirir acerca da eficácia da representação política, mas isso é matéria para outro artigo.