Choque de Civilizações?

Imagine o leitor se um magistrado tivesse que escolher entre ser ou um juiz ativista ou um juiz legalista. Suponha que a opção deixada aos magistrados brasileiros seria a de ou aplicar a lei cegamente sempre e em todo processo ou, então, desconsiderá-la como sendo algo supérfluo a ser substituído, via de regra, por princípios abertos e ocos a serem preenchidos por sua própria vontade soberana.

 

Ou um anestesiante dura lex sed lex; ou um asfixiante le droit c’est moi.

 

Com certeza, seria o pior dos mundos.

 

É certo que os mais conservadores tenderiam a pensar ser melhor um juiz legalista do que um ativista, pois o primeiro tende a acertar mais vezes que o segundo. Por outro lado, os mais liberais (ou, ao menos, aqueles cujos cérebros ainda não se derreteram pela exposição aos ideais esquerdistas) possivelmente terão mais simpatia pelo ativista, pois, afinal das contas, pensam esses pobres, leis são feitas por elites dominantes e servem antes de tudo para manter o status quo opressor das minorias enfraquecidas.

 

Porém, muitos, de um lado e de outro, perceberiam que essa dicotomia é falsa. É possível, entre o legalista e o ativista, uma terceira espécie de magistrado: aquele que, reconhecendo que a lei é em tese boa (supondo que o seja), concluem que sua aplicação à generalidade dos casos é adequada, mas que, em situações específicas e excepcionais, aplicá-la antes contrariaria a vontade do legislador do que a concretizaria no caso concreto.

 

Entre o dura lex sed lex e o le droit c’est moi, existe o summum ius summa iuria.

 

Pois, entre dois vícios opostos, é sempre possível encontrar-se a virtude.

 

Esse pensamento veio-me à cabeça quando, em virtude das Olimpíadas do Rio de Janeiro, foi capturada uma imagem que correu o mundo e que, no entender de muitos, simboliza um choque de civilizações.

 

Ei-la:

 

Choque de Civilizações

 

 

Confesso que a imagem é sugestiva: uma mulher ocidental de biquíni divide uma bola com uma muçulmana de hijab. Muitos viram aí o símbolo do Ocidente (obviamente representado pelo biquíni) em luta com o mundo islâmico (representado pelo hijab). A bola dividida representa o choque mesmo entre duas concepções de mundo antagônicas, e a imagem como que nos convida a escolher entre uma delas.

 

Ou o Ocidente ou o islã.

 

Ou o biquíni ou o hijab.

 

Contudo, a opção sugerida pela imagem, tal qual a opção do legalismo/ativismo, é de todo falsa.

 

A imagem nos engana ao menos em duas frentes.

 

Em primeiro lugar, até que se concebe que a jogadora de hijab efetivamente represente a civilização islâmica. Contudo, claramente, a alemã de biquíni não representa, com propriedade, a verdadeira civilização ocidental. Antes, representa um arremedo de civilização cujo início se deu há pouco mais de duzentos cinquenta anos e que, após depredar todo o riquíssimo patrimônio cultural e jurídico acumulado por nossos ancestrais em dezessete séculos, mal consegue se manter em pé, lançando os corações dos homens contemporâneos num imenso vazio do qual lutam para sair.

 

Dizer que a alemã representa a civilização arduamente erguida no mundo ocidental é ofender a memória de tantos que deram suas vidas para erguer uma civilização verdadeira e absolutamente sem paralelo com qualquer outra que tenha sido construída em toda a história.

 

Além disso, a imagem desse suposto choque de civilizações parece excluir que exista uma terceira via, uma terceira possibilidade que, colocando-se no meio de dois vícios distintos, surge como sendo a via virtuosa.

 

Entre os escombros do mundo moderno e o islã, há uma opção.

 

Há algo além do biquíni e do hijab.

 

Há um meio termo entre o nudismo e a burca.

 

Penso que o leitor sabe a que me refiro.

 

E, se uma imagem vale por mil palavras, e se mil palavras nos enganaram com a imagem acima reproduzida, aqui em baixo reproduzo outra, que fará o leitor entender a que me refiro. Ei-la

 

20140209-154516
Fonte da imagem: https://liturgyguy.com/2014/02/09/a-guys-view-of-the-veil/

 

E più non dico!

Nem é preciso…

 

Pokémon GO: a procura do NADA.

pokemon

Pokémon GO é um jogo free-to-play de realidade aumentada.

O que significa isto?

Free-to-play significa que é gratuito.

Pokémon advém do nome pocket monsters, algo como “monstros de bolso”. Para que alguém ia querer ter um monstro de bolso, ainda mais virtual?

Talvez porque, segundo o jogo, um Treinador que encontra um Pokémon selvagem é capaz de capturá-lo através de um objeto esférico chamado Pokébola. Se o Pokémon não escapar da Pokébola, ele é considerado oficialmente do Treinador. Em seguida, o Pokémon irá obedecer a todos os comandos do seu mestre, a menos que o Treinador não tenha muita experiência, a ponto dele preferir agir por conta própria. Os Treinadores podem mandar seus Pokémon para batalhas contra outros Pokémon (Wikipedia, verbete Pokémon)

Agora está explicado, que coisa mais bizarra…

O conceito de realidade aumentada é estranhíssimo, pois, segundo a definição dada pela Wikipedia, é a integração de informações virtuais a visualizações do mundo real (como, por exemplo, através de uma câmera).

Mas a realidade pode ser aumentada? Claro que não. O nome foi muito mal dado.

De propósito…

Para fazer as pessoas confundirem realidade com virtualidade.

Agora o Pokémon GO, propriamente, segundo a Wikipedia:

O Pokémon GO foi lançado em julho de 2016 em alguns países do mundo e nesta semana no Brasil. Fazendo uso do GPS e câmera de dispositivos compatíveis, o jogo permite aos jogadores capturar, batalhar, e treinar criaturas virtuais, chamadas Pokémon, que aparecem nas telas de dispositivos como se fossem no mundo real. Em breve, será lançado um dispositivo opcional vestível, o Pokémon Go Plus, que irá alertar os usuários quando Pokémon estiverem nas proximidades.

Ou seja, no celular de alguém, que naquela hora deveria estar estudando, trabalhando, rezando ou dormindo, aparece uma indicação de que se ele for à rua XYZ, número ABC, acusará apenas em seu dispositivo móvel, mediante sincronização deste com o GPS, que o Pokémon virtual estará “capturado” (provavelmente acionando luzes e sons no aparelho), pois o jogador se posicionou exatamente no local indicado.

Depois dessa conquista incrível, o agente, obviamente (ou supostamente?), fica tomado interiormente por uma fruição de sentimentalidades extremamente agradáveis.

Todavia, como estes jogos são como “água salgada”, dado que não saciam e provocam mais e mais sede, as buscas pelos monstrinhos não cessam nunca.

É inacreditável.

O homem, feito à imagem e semelhança de Deus é dotado de corpo e alma, diferindo-se, assim, dos outros animais. Na clássica definição de Boécio, pessoa é “uma substância individual de natureza racional”.

Ora, “divertir-se” caçando bichos que não existem, pela cidade, não parece ser algo condizente com a natureza racional de que somos dotados.

Há de se observar, caro leitor, que a “caça” aos Pokémons não terá fim e já há relatos de pessoas sendo atropeladas, assaltadas, etc em razão desse “divertimento” que parece levar as pessoas a uma realidade paralela.

Somente uma sociedade decadente, em que as pessoas não têm vida interior e sede de conhecimento, produz algo do gênero.

Afinal, as pessoas não conseguem viver o silêncio, recolher-se para uma oração, ler um livro, estar consigo próprio e com Deus. Parece ser insuportável o não ser visto, o não ser “politicamente correto”, inexiste privacidade, pois a todo momento as pessoas estão fazendo “selfies”, interagindo virtualmente…

Pokémon GO pode ser definido como “a procurada do nada”, visando preencher o vazio existencial do homem nestes dias.

E, por outro lado, este jogo parece ser um apogeu da dialética, por causa de dois aspectos:

1) O não encontro real. Normalmente, (mas, o mundo parece cada dia menos normal) as pessoas ficam felizes quando encontram alguma coisa ou alguém na rua. Exemplos: uma pessoa está com fome e conseguiu encontrar um restaurante; dois amigos se encontram na rua; etc.

O Pokémon GO inverte esta lógica óbvia: os “jogadores” ficam felizes por não encontrarem realmente os ditos monstros na rua!

2) A sujeição do mundo real ao virtual. Os artefatos tecnológicos operam de forma conveniente quando auxiliam em tarefas voltadas para o mundo que nos cerca. Assim, os mapas virtuais servem para que localizemos as ruas que existem realmente.

O Pokémon GO subverte mais uma vez. Desta feita, é o mundo real que está a serviço do virtual, pois as pessoas andam nas ruas reais para encontrarem bichos estranhíssimos e que existem apenas nos bits internéticos.

Conseguirão inventar algo ainda pior?

Não há a menor dúvida. É só esperar.

(Este artigo contou com a participação de Marcelo de Almeida Andrade)