
Raskólnikov estava naquela taberna em que se entrava pela calçada, por uma escada que leva ao subsolo. Tinha acabado de chegar da sua visita à velha usurária. Estava angustiado e com aqueles pensamentos estranhos. Antes que ele pudesse bater a vista em Marmieládov, contudo, sua atenção foi para o outro lado. Mais tarde, lembrando-se desse momento, chegaria a atribuí-lo a um pressentimento. Ali, bem ao seu lado, estava um velho gordinho em um hábito de frade franciscano e estalando os dedos, como que chamando Raskólnikov. O velhinho, de cabelo branco, rareado ainda mais pela tonsura, e de bochechas salientes e rosadas sorria e encarava Raskólnikov como se o conhecesse.
“Olá, meu rapaz!”, disse o frade. “Meu nome é Jacó, irmão Jacó, e não pude deixar de notar seu olhar aperreado quando você entrou. Se você deixar, gostaria de conversar com você, de forma bastante tranqüila e amigável, porque embora eu não seja lá de muito estudo, recebi um encargo que diz respeito a você. Permita-me perguntar, sem arrodeios, você está como que com uma pressão na cabeça, uma inquietação terrível e pensamentos abomináveis, não está?”. O frei tinha o sotaque levemente paraibano, o que em russo ficou até bem solene.
“Como assim, quem é o senhor? E porque me faz tantas perguntas sem nem me conhecer?”, perguntou Raskólnikov pego de surpresa. “Meu nome é irmão Jacó, já disse. Sou um frade franciscano e gostaria apenas de um minuto para contar uma coisa que você precisa saber. Minha missão é urgente e você não vai se arrepender”, respondeu frei Jacó, bebendo um gole generoso de cerveja.
O que seria isso? Perguntava-se Raskólnikov. Achava tudo muito estranho, pois não havia franciscanos em São Petersburgo. Todos haviam fugido na última perseguição. Ficou encarando o frade e tentando desvendar o que ele queria e de onde ele teria saído. Começou a ficar impaciente e a pressão em sua cabeça aumentou. Embora até estivesse mais disposto a conviver com as pessoas depois de um mês inteiro de isolamento e de melancolia, e por isso tinha vindo para a taberna, algo em seu íntimo dizia-lhe para se afastar daquele velhinho. Lembrou-se do estado de penúria em que estava, e de como as pessoas certamente não entenderiam os motivos pelos quais planejava….
“Pode parar! Pode parar”, disse o frade, quebrando a cadeia de pensamentos de Raskólnikov. “Volte aqui para a terra, faça o favor. Pare de ficar pensando. De pensar morreu um burro, já dizia o Olavo de Carvalho!”, insistiu. “Quem é esse?”, perguntou Raskólnikov. “Deixa para lá, vamos, preciso falar com você e é melhor que seja lá em cima, ao ar livre”, respondeu frei Jacó.
Saíram da taberna e foram até uma praça ali perto. Raskólnikov ia contrariado, cada vez mais impaciente. Quando chegaram no local, frei Jacó esperou um pouquinho para pegar ar, porque tinha ficado um pouco cansado.
“Ave Maria, eu preciso voltar às minhas caminhadas. Estou só o pó. Pronto, agora escute”, disse o frei, depois de recuperar o fôlego. “Você está se sentido mal, angustiado e pensando um monte de besteiras que você não quer pensar, mas mesmo assim pensa. Já não consegue ter sossego e tenta dormir o dia todo para ver se esquece essas porcarias e se acalma. É ou não é?”, aumentou o tom de voz o frei, como quem já sabia de tudo. “É ou não é? Vai, desembucha, homem!”, falou o frei.
“É, mas como você sabe?”, disse Raskólnikov. “Ah, conheço essas coisas. Estava acompanhando você faz um tempo, na rua, e percebi como você vez por outra torcia a cara, como quem tivesse tido um pensamento ruim, e com as mãos tentava espantar algum coisa para longe. Então você venha cá e me conte tudo”, disse o frei Jacó. Seu jeito de falar era o de um avô compreensivo mas impaciente. Aquilo deixou Raskólnikov momentaneamente intrigado, porque as coisas que ele dizia eram verdade.
Depois de conversarem um tempo, e da resistência dar uma trégua, acabou contando tudo para o frei Jacó: suas idéias a respeito da classificação das pessoas, o período que ficou sem dinheiro, o abandono dos estudos, o quartinho onde se escondia por vários dias sem fazer nada, a fome e até a idéia macabra de assassinar a velha Aliena Ivánovna. Raskólnikov começou a chorar, não sabia o motivo. O frei Jacó olhou para ele e disse: “Agora preste atenção. O nome desse negócio que você tem é ansiedade, tristeza e depressão. O que aconteceu? O ‘cão’ veio e fez a festa. Não se preocupe, que tem cura, mas para isso você vai ter que fazer exatamente o que eu disser”.
O frei tirou dos bolsos um papel e um frasco de comprimidos onde se lia em inglês StressTabs™ e entregou para Raskólnikov. “Aqui ó, pega. No papel está uma oração para Nossa Senhora, porque casos assim sérios é só com ela mesmo. E esses comprimidos são umas vitaminas. É coisa boa, vitaminas C, B1, B2, B6, B12, E e, principalmente, um monte de zinco, que é bom para gente estressada. Reze para Nossa Senhora e tome essas vitaminas. Uma vez por dia tome um banho de sol e se exercite ao ar livre. Não fique mais no quarto pensando besteira. Pare de tomar chá e café. No café-da-manhã coma ovos com toucinho, um monte de toucinho”.
“Mas isso vai ajudar mesmo?, perguntou atônito Raskólnikov. “Oxe, é claro que vai. Agora deixe de frescura e faça isso por um mês. Eu passarei por aqui para ver você”, respondeu o frade. “Então tá”, respondeu Raskólnikov.
Um mês. Nesse mês, apesar da mistura de credulidade e desconfiança, Raskólnikov seguiu a receita do frei. No começo, fez a oração para Nossa Senhora e a repetia o dia inteiro. No começo mecanicamente, mas com o passar do tempo, aumentou sua proximidade com a Santa Mãe de Deus, passando a fazer uma súplica intensa. No segundo dia sentiu sua cabeça aliviar. Um peso gigantesco havia sumido. Chorou de felicidade. Além disso, tomou as vitaminas todos os dias. Parou de tomar chá e café e arrumou uns copeques para comer ovos com toucinho no café-da-manhã. Nastácia achou exagero ele não tomar o chá que ela fazia com tanto gosto, mas não encrencou. Depois do café-da-manhã saia para tomar sol e caminhar nas margens do rio. Foi se sentindo melhor. Os pensamentos ruins ainda apareciam, aqui e acolá, mas não tomavam toda a atenção de Raskólnikov. Ele passou a observar mais as coisas e não apenas a meditar sobre suas próprias idéias.
Um mês depois, bem certinho, frei Jacó chegava no apartamento. Havia uma carroça com os poucos pertences de Raskólnikov. Estava de mudança para uma morada melhor, perto de uma praça bem arborizada. Arrumara dois empregos e retomaria os estudos no próximo mês. Quando viu o frei chegando, abraçou-lhe com força e sorriu. “Obrigado, frei Jacó. Estou bem melhor”, disse Raskólnikov. “Ah, eu sabia que você ficaria bem. O capeta é sabido e aproveita essas fraquezas para espalhar maldade. Não pode ver um camarada ansioso que já mete idéias malucas nele. Você precisa se alimentar, tomar sol e ocupar a cabeça com coisas reais. E aqui ó, um Rosário para você rezar todo dia. A melhor coisa é caningar o cão com reza. Faça sempre essas duas coisas: cuide de seu corpo, alimentando-se bem e tomando sol, e da alma, rezando muito para que Deus mantenha você livre do mal”, falou o frei, entregando um terço de madeira com a imagem de Nossa Senhora gravada. Se despediram fraternalmente. Nunca mais Raskólnikov viu o frei Jacó e sempre que perguntava por franciscanos na cidade, recebia olhares de surpresa. No fundo ele sabia que se havia operado um milagre.
E foi assim que Nossa Senhora, um frei cabido e algumas vitaminas salvaram Raskólnikov de passar oito anos sofrendo na Sibéria. Dizem que o capiroto ficou lá no apartamento apertado observando, cheio de raiva e despeito, sem poder fazer nada. Dona Aliena Ivánovna e a irmã continuam bem. Algum tempo depois Raskólnikov conheceu Sônia e se apaixonaram. Casaram, tiveram vários filhos e netos e morreram felizes quando já eram bem velhinhos.
N.B. O texto foi escrito com o mais absoluto desdém pela reforma ortográfica. Além disso, publicado sem revisão. Qualquer canelada é só avisar.