
Nos primeiros dias do Ano da Graça de 2.017, o Brasil viveu uma agitação que diz muito acerca da confusão em que nos afundamos, seja no âmbito do funcionamento das instituições, seja no da simples compreensão da realidade. Subitamente, como que em efeito dominó, em diversos presídios brasileiros, facções criminosas rivais trouxeram o caos, o horror e a barbárie, que imediatamente foram expostos, cruel e impiedosamente, à opinião pública estupefata.
As reações foram imediatas
O “pessoal dos direitos humanos”, por exemplo, rasgou as vestes e, em gritos, condenou o sistema presidiário brasileiro, classificando-o como pior que as masmorras medievais (o leitor há de entender que, nos tempos bizarros em que vivemos, dizer que algo é medieval – ou pior do que medieval – é o quanto basta para imprimir-lhe um caráter de condenação absoluta), exigindo medidas imediatas para acabar com essa vergonha nacional.
Já as autoridades brasileiras entraram em pânico. Sem conseguir ultrapassar os estreitos limites de discurso impostos pelo bom mocismo reinante, prometeram humanizar o sistema. Reuniões de urgência foram feitas. Entrevistas foram dadas. Pautas estão sendo elaboradas e, novamente, a palavra de ordem é esvaziar o sistema prisional, aumentar o âmbito de incidência das “penas restritivas de direito” (o que é o mesmo que diminuir a possibilidade de prisão, dependendo apenas do ângulo pelo qual se observa a ideia), evitar a prisão até mesmo de traficantes, chegando-se a advogar a descriminalização do porte de entorpecentes (como se alguém, hoje em dia, fosse preso por crimes que tais). E, em meio à comoção generalizada, não faltou quem culpasse os juízes brasileiros pelo colapso do sistema, acusando-nos de “prender demais”, de abusar da prisão preventiva e de não saber diferenciar um simples usuário de entorpecentes de um traficante.
Quanto mais eu lia tais manifestações, mais burro eu me sentia. Fiquei até mesmo propenso a pedir perdão às vítimas da guerra de facções, tamanha a culpa que me invadiu.
Foi então que a pequena porção de inteligência que me resta acendeu o sinal de alerta e, num esforço hercúleo, fez-me ver o óbvio. E como o óbvio foi escamoteado da população brasileira durante a cobertura destes incidentes terríveis, entendi escrever estas linhas para lembrar a todos de algumas coisas importantes.
Vamos lá!
1) A barbárie que tomou contas dos presídios brasileiros nas últimas semanas NÃO é fruto da superlotação dos presídios. Trata-se de guerra entre facções criminosas rivais (verdadeiros acertos de contas), e viriam à tona ainda que nossas penitenciárias não estivessem superlotadas. E, se esse é o problema, por óbvio que a solução dele é uma atuação dura no sentido de desmontar tais facções, punindo os líderes das rebeliões de forma exemplar, o que no mínimo faria com que os revoltosos pensassem duas vezes antes de iniciar nova rebelião. Senão ficamos assim: essa gente resolve acertar suas contas em rompantes de violência e o Estado brasileiro acena com menos rigor no combate ao crime, quase que premiando os baderneiros e garantindo-lhes maior tranquilidade para suas atividades criminosas no futuro, incentivando novas rebeliões ao invés de previni-las.
2) Não se nega (até porque seria negar-se o evidente) que nossos presídios estão superlotados e que as condições internas deles são das piores. Isso é um dado da realidade e o Estado brasileiro tem a responsabilidade de solucionar o problema. Porém, tirar-se daí a conclusão de que é necessário afrouxar-se o combate ao crime é um non sequitur como poucos que eu já vi. Problemas de superpopulação penitenciária se resolvem com a construção de mais presídios, e isso é tão óbvio e tão claro que chega a ser assustador que fuja do âmbito de percepção de nossos governantes.
3) A ideia de que o sistema brasileiro prende muito é das mais falsas. A quantidade de crimes praticadas no Brasil é tão elevada que, na verdade, o número de prisões (cautelares ou definitivas) é ínfimo, e a população claramente deseja que aumente.
4) O discurso vitimista do “só pobres são presos no Brasil”, que sempre vem à tona nestas ocasiões, é igualmente falso e os que lançam mão dele sabem da falsidade que estão propagando. Não é necessário aqui fazer-se uma lista de políticos de empresários de altíssimo escalão que estão atrás das grades, demonstrando que a atuação institucional, seja da polícia seja do Poder Judiciário, é bem menos seletiva do que se propaga. Na verdade, isso demonstra que a lei é para todos e que todos devem obedecê-la, sendo irônico que, agora, se advogue a não aplicação dela justamente para criminosos violentos.
5) Por outro lado, caso o relaxamento do combate à criminalidade realmente se imponha, serão (aí sim) os mais pobres que sofrerão as nefastas consequências do que está por vir, pois, venhamos e convenhamos, é justamente nos bairros mais pobres de nossas grandes cidade que os bolsões de criminalidade se formam.
Portanto, todo o levante das últimas semanas para que se esvaziem as penitenciárias a todo custo não somente revela que a natureza das rebeliões não foi compreendida, mas igualmente demonstra uma recalcitrância incompreensível (dada a facilidade mesmo de compreendê-lo) acerca de quais são as verdadeiras saídas para a crise em que nos encontramos, mais incentivando rebeliões no futuro do que as prevenindo e mais insegurança trazendo para a vida do brasileiro comum.
Por isso, entendo que, apesar da pressão midiática, a hora é de resistência. Ainda existem muitos juízes que percebem claramente que os índices de criminalidade em nosso país são inaceitáveis e que a solução para o problema passa por um endurecimento no combate ao crime. Já temos uma legislação permissiva por demais e que, francamente, é um dos canais por meio dos quais grandes doses de combustível são lançadas na fogueira do crime. Tudo o que a população brasileira menos precisa é que agora venhamos, via interpretação laxista, aumentar ainda mais a impunidade.
Temos poucos mecanismos com os quais atuar, mas os magistrados brasileiros não podem abrir mão dos poucos existentes. Uma de nossas funções é justamente resistir a pressões e aplicar a lei ainda que isso contrarie os interesses ideológicos que claramente exigem o contrário. E, no caso da lei penal, aplicá-la com toda a dureza que lhe é peculiar (ainda que o grau de dureza da legislação brasileira não seja lá essas maravilhas). Sobretudo, não podemos admitir que críticas gratuitas à forma pela qual aplicamos prisões cautelares, afastamos penas restritivas de direito ou enquadramos determinada conduta na tipo de tráfico e entorpecentes (e não no de mero porte para uso pessoal) pautem a forma pela qual atuaremos doravante.
Nesses momentos de crise, por vezes o Poder Judiciário é a última esperança do brasileiro comum. E penso ser necessário acenar, a esse mesmo homem comum, que não estamos propensos a ceder a apelos de uma mídia intoxicada por ideias esquerdistas, e que, serenamente, prosseguiremos cumprindo nosso dever.