As Raízes da Criminalidade Galopante

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O Brasil vive uma verdadeira guerra civil. Dependendo das estatísticas, o número de homicídios em nosso país por ano varia de 50.000 a 70.000. Mesmo em cidades de pequeno e médio porte, já não se tem mais certeza de ser possível caminhar tranquilamente nas ruas e, por mais que estejamos nos acostumando a esta situação absurda, o absurdo mesmo da situação deveria nos fazer pensar em suas causas e nas medidas a serem tomadas para superá-la.

 

Gostaria, então, de tecer alguns comentários quanto a este ponto, primeiramente, expondo a explicação falsa do fenômeno e, em seguida, a explicação correta dele.

 

Comecemos pela falsa.

 

Para alguns, a violência no Brasil se explica a partir de causas sociais. Abordando tudo sob a ótica marxista, muitos entendem que as desigualdades sociais são a raiz mesma da criminalidade, pois o indivíduo, sem educação, sem oportunidades e sem ter acesso aos mais variados bens e serviços, acaba por voltar-se contra a sociedade opressora. Sua revolta se traduz em atos de violência cada vez mais intensos e explica a situação na qual vivemos. Uma vez que o culpado pela alta criminalidade em nosso país é o sistema perverso (e, no fundo, a sociedade que o mantém), o criminoso é a verdadeira vítima, a saída para o problema está em que o Estado distribua melhor as riquezas, dê mais e melhor educação a nossas crianças e garanta maiores oportunidades para determinadas classes sociais, sendo que este pacotão de medidas garantirá o paraíso neste lado do Equador. Sobretudo, os advogados desta tese nos garantem que o recrudescimento das leis e do sistema penais não trarão quaisquer efeitos positivos e tenderão a agravar o problema, visto que aumentam no espírito do criminoso a sensação de injustiça de que já sofre.

 

Eis um resumo da tese. O leitor já está tão acostumado com ela que, tenho a mais absoluta certeza, não tem dificuldade nenhuma de acompanhar a linha de raciocínio.

 

O problema da tese é aquele já adiantado: ela é patentemente falsa. É daquelas ideias que somente subsistem se jamais confrontadas (ainda que rapidamente) com a realidade das coisas.

 

Pensemos um pouquinho.

 

O Brasil de algumas décadas atrás era um país pacato, mesmo em grandes cidades. O Brasil de algumas décadas atrás era, também, um país de maiores desigualdades sociais do que o atual. Era um país em que poucos tinham acesso à educação e no qual as oportunidades de ascensão social eram menores do que as que temos hoje. Desde então, a pobreza tem diminuído; a educação foi universalizada[1]; as oportunidades de ascensão social se tornaram mais frequentes, e todo mundo conhece casos de pessoas próximas a si que saíram da pobreza e venceram na vida. Era de se esperar, assim, que a criminalidade em nosso país estivesse em franca decadência, aproximando-se daquela vista em nações mais desenvolvidas.

 

Contudo, ocorreu o contrário: justamente quando nossos índices sociais melhoraram é que a violência aumentou. E este fato (este fato inconcusso!) sozinho basta para desmentir cabalmente a tese do crime como consequência de problemas de desigualdades sociais.

 

Afastada a explicação falsa, vejamos, agora, qual a verdadeira explicação para o quadro em que nos encontramos. Para tanto, é necessário entendermos o que seja, substancialmente, um crime.

 

Podemos afirmar sem medo de equívocos que um crime nada mais é do que uma opção moral equivocada. Um sujeito, sabendo o que é certo e o que é errado, podendo agir corretamente, opta, livre e conscientemente, por adotar a conduta errada. Se tal opção ferir algum bem jurídico de importância, o legislador impõe uma pena sobre o optante, fazendo surgir a figura jurídica do crime propriamente dito. Ou seja: nem toda opção moral equivocada constitui um crime; mas todo e qualquer crime constitui uma opção moral equivocada.

 

Compreendido este ponto, a compreensão do próprio aumento da criminalidade apesar dos avanços sociais de nosso país se torna de uma clareza absoluta: a criminalidade avança à medida que os valores morais que constituem a base de nossa sociedade se corroem.

 

Há décadas o Brasil está sendo submetido a um tratamento intensivo de relativismo moral. Nas escolas e nas universidades, nas novelas de televisão, nos jornais e revistas, mesmo dentro de congregações religiosas, a pregação incansável de nossa classe falante é a de que o certo e o errado não existem enquanto tais. Tudo é um construto social e, assim sendo, tudo pode ser desconstruído. O bem e o mal não mais importam; importa apenas a felicidade do indivíduo.

 

Tais ideias bombásticas encontraram nas gerações de brasileiros que viveram desde ao menos o final da década de sessenta do século vinte um terreno fértil para germinarem. Isto porque sistematicamente a família brasileira (na qual os valores morais tradicionais eram passados de pai para filho) foi pura e simplesmente pulverizada. Os casamentos se desfazem mais facilmente do que se constroem; crianças crescem sem a figura paterna ou materna; pais e mães, tendo que trabalhar todo o dia, deixam seus filhos para serem educados em escolas, deixando, assim, de lhes transmitir os valores mencionados. Desde cedo, as crianças são expostas por meio de programas de televisão e da internet, à ideia de que bem e mal são coisas relativas e (o que é pior) relativas à noção de felicidade do indivíduo.

 

Em outras palavras, preparou-se um terreno para a destruição da noção de moral em nossa sociedade e, preparado ele, jogaram-se as sementes teóricas do relativismo.

 

O resultado está aí em nossas portas, que precisam se manter fechadas o mais fortemente

 

E qual a saída?

 

Bem. Permitam-me citar, neste ponto, um dos mais brilhantes seres humanos de todos os tempos, que se manifestou, há alguns séculos, sobre o assunto. Trata-se de São Tomás de Aquino, que, em sua Suma Teológica, na “Prima Secundae”, Questão 95, artigo 1, discute sobre a necessidade de leis (g.n.):

 

“(..) o homem tem aptidão natural para a virtude; mas a perfeição mesma da virtude é forçoso adquiri-la por meio da disciplina. (…). Ora, para a disciplina em questão, o homem não se basta facilmente a si próprio. Pois, a perfeição da virtude consiste principalmente em retraí-lo dos prazeres proibidos, a que sobretudo é inclinado, e, por excelência, os jovens, para os quais a disciplina é mais eficaz. Logo, é necessário que essa disciplina, pela qual consegue a virtude, o homem a tenha recebido de outrem. Assim, para os jovens naturalmente inclinados aos atos de virtude, por dom divino, basta a disciplina paterna, que procede por advertências. Certos, porém, são protervos, in­clinados aos vícios e se não deixam facilmente mover por palavras. Por isso é necessário sejam coibidos do mal pela força e pelo medo, para que ao menos assim, desistindo de fazer mal, e dei­xando a tranqüilidade aos outros, também eles próprios pelo costume sejam levados a fazer voluntariamente o que antes faziam por medo, e deste modo se tornem virtuosos. Ora, essa disciplina, que coíbe pelo temor da pena, é a disciplina das leis. Por onde é necessário, para a paz dos homens e para a virtude, que se esta­beleçam leis. Pois, como diz o Filósofo, o homem se, aperfeiçoado pela virtude, é o melhor dos ani­mais, afastado da lei e da justiça, é o pior de todos. Porque tem as armas da razão, para satisfazer as suas paixões e crueldades, que os outros ani­mais não têm”[2]

 

A solução para nosso problema está contida neste genial ensinamento de São Tomás: aos bons, bastam bons conselhos (e, acrescentaria eu, bons exemplos) para que se ponham no exercício das virtudes; aos maus (àqueles inclinados ao vício), é necessário o rigor da lei, seja para coibi-los do mal, seja para trazê-los para o bem.

 

Desta forma, é necessária uma ação de longo prazo e uma outra de curto prazo.

 

A primeira consiste no resgate da moral de nosso povo, o que passa pela superação das ideias relativistas e pela reestruturação da família tradicional, local por excelência em que os valores são passados de geração a geração. Quanto mais os indivíduos tiverem claras diante de si as leis morais, menos tenderão a efetuar opções morais equivocadas e, por definição, menos crimes ocorrerão. Em suma, é necessário que atuemos, desde já, para que os brasileiros do futuro tenham uma visão da ordem moral mais clara do que a dos brasileiros do presente.

 

Como isto leva muito tempo. E, tendo-se em vista a situação atual, outro remédio não há que não o recrudescimento da lei, seja para impor nos indivíduos o temor da punição, seja para, punindo-os trazerem-nos de volta à vida de virtudes. E, à medida que os valores morais forem se enraizando novamente na alma de nosso povo, será possível que se editem leis penais mais e mais brandas, apropriadas para uma sociedade que delas precisa cada vez menos.

 

É uma tarefa colossal. Mas urge começá-la. Urge que sejamos nós a começarmos.[3]

 

 

 

 

 

 

[1] É verdade que a educação nacional é péssima, variando do ruim ao execrável. Mas é igualmente verdadeiro que, ao menos, alguma educação está disponível a todos os brasileiros. E, por pior que seja, alguma educação é melhor do que educação nenhuma, e ao menos nossos jovens chegam à idade adulta sabendo distinguir as letrinhas do alfabeto.

[2] Fonte: http://permanencia.org.br/drupal/node/1793

[3] É óbvio que há mais por detrás do avanço da criminalidade do que a mera corrosão dos valores morais. Há, ainda, a deliberada ação para que se traga o caos social por meio do chamado lumpesinato e isto também é algo a ser enfrentado. Mas uma análise deste fato fica para um próximo artigo.

Uma consideração sobre “As Raízes da Criminalidade Galopante”

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