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DA CONTRIBUIÇÃO DOS ADVOGADOS À MOROSIDADE DA JUSTIÇA

I – Diversas são as causas apontadas, há décadas, para a morosidade da Justiça, da qual muitas pessoas, com razão, se queixam, não só no Brasil, mas em todo o mundo.

Por aqui, culpam-se as leis processuais, a falta de autonomia financeira do Judiciário, a falta de juízes e servidores (ou o excesso de demandas, que é o outro lado da moeda), o espírito belicoso dos jurisdicionados brasileiros, mimados por um Estado paternalista, a concessão indiscriminada da gratuidade processual, a postura irresponsável dos governantes etc.

E parece evidente que, em maior ou menor grau, são várias as circunstâncias que concorrem para tal morosidade, assim como também é maior ou menor o grau de sinceridade de quem se diz preocupado com essa morosidade.

Virou moda culparem-se os juízes “TQQ”, que não trabalham nas segundas e sextas-feiras, embora as pessoas não compreendam que os juízes estão trabalhando também enquanto estudam e que não trabalham no fórum, nas audiências, no horário convencional ou nos dias úteis (veja-se recente entrevista do Dr. Marcos da Costa, Presidente da OAB/SP, à BBC-Brasil, demonstrando total desconhecimento sobre a produtividade dos juízes paulistas). Parece muito fácil a uma pessoa com boa vontade compreender que se o juiz marcar cinco audiências por dia, por exemplo, de terça a quinta, terá feito, na semana, o mesmo número de audiência que se marcar três por dia, de segunda a sexta… Trata-se, portanto, de organização e método de trabalho.

Certo que não hão de faltar, em um conjunto de mais de 17 mil seres humanos, alguns que desonram a toga, mas, testemunhando pelo que vejo ao meu redor, concluo com segurança que não é por falta de esforço da maioria dos magistrados que a Justiça brasileira não consegue satisfazer o anseio de celeridade dos jurisdicionados e dos próprios magistrados.

Não me recordo, contudo, de alguma vez alguém ter apontado em público a falta de preparo técnico e o afrouxamento ético de grande parte dos advogados como uma das causas da morosidade da Justiça. E, se isso não decorre de lapso de memória meu ou de equivocada percepção dos fatos, há de se estranhar tamanho temor reverencial à nobre e indispensável classe dos advogados.

Eis o ponto, portanto, que ouso tentar abordar.

II – Urge destacar, primeiramente, que TODA GENERALIZAÇÃO É INJUSTA.

Assim, como não se pretende criticar injustamente a todos os advogados, nem beatificar de forma corporativista a todos o juízes, compreenda-se também que nem tudo na Justiça é moroso (há juízos em que os processos tramitam sem nenhum retardamento) e nem tudo que é aparentemente moroso deveria deixar de ser: decerto, ninguém deseja uma injustiça rápida, exceto, talvez, os amantes das estatísticas e dos gráficos de produtividade.

Convenhamos, pois, que a odiada morosidade seja a demora desnecessária para a realização da Justiça terrena.

Com a Emenda Constitucional n° 45, de 08/12/2004, acrescentou-se o inciso LXXVIII ao artigo 5° de nossa Carta Magna: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

O artigo 4° do novo Código de Processo Civil também tratou acerca do prazo para solução dos processos, como já defendia a doutrina há mais de uma década.

E o fez de forma tímida e programática, como a Constituição Federal, sem estabelecer sanção: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.”

O que se deve, todavia, entender por “prazo razoável”?

Parece-me que não quis o legislador fixar prazos específicos porque são praticamente incontáveis as variáveis internas e externas que determinam a duração de um processo: natureza da causa, número de litisconsortes, necessidade de precatórias, rogatórias ou editais, dificuldade em localizar os réus, complexidade da prova, estrutura funcional de cada juízo, características dos juízes, forma de atuar dos advogados, redesignações de audiência a pedido (justo) dos advogados, recursos, dependência de julgamento de causas prejudiciais, concursos de credores, dificuldades de localização ou alienação de bens, inércia das partes ou falta de recursos para custear as despesas processuais, quedas de energia ou no sistema de informática (mais comuns e estressantes do que se imagina…), etc.

A razoabilidade, de qualquer forma, tem uma carga muito subjetiva.

III – Voltemos, pois, à questão dos advogados.

A proliferação dos cursos de Direito causou um aumento exagerado do número de advogados, apesar de, nos últimos anos, serem cada vez mais rigorosos os exames da Ordem dos Advogados do Brasil: diminui-se o número de aprovados em termos relativos (aprovados/candidatos), mas aumenta-se em termos absolutos (aprovados/ano) de forma muito superior às necessidades da sociedade, o que leva até mesmo ao questionamento sobre o interesse em manter cursos “gratuitos” mantidos pelo Estado.

Grande tragédia para o país, aliás, se vingar a ideia de acabar com o exame da OAB, pois é muito verdadeira a irônica crítica dos sempre joviais filhos da São Francisco, em uma de suas clássicas trovas acadêmicas:

“Deus pôs as pragas no mundo

Pra punir os infiéis:

No Egito, pôs gafanhotos,

No Brasil, pôs bacharéis.”

E houve época não muito distante, diga-se com sinceridade, em que o exame da OAB era uma mera formalidade para homologar pastas de estágios. Seria um pesadelo para muitos advogados se houvesse exames periódicos para renovação da carteira da OAB.

Há, portanto, no inchado mercado da advocacia, muitos profissionais sem a menor condição de exercer tão importante múnus. Assim, uns tantos vivem de nomeações da assistência judiciária gratuita, para a qual não precisam comprovar aptidão técnica nem eficiência. Pobres dos pobres!

Os absolutamente ineptos – ressalte-se, para não ser injusto – são pequena minoria, mas potencialmente danosos a direitos individuais e à Justiça, pois, quando alguém perde uma causa por inépcia do advogado, sente-se injustiçado e sua revolta se dirige à Justiça como um todo. Aliás, as partes tendem a contar o tempo de seus processos a partir do momento em que contrataram o advogado, pouco importando se esse – por culpa dele ou do próprio cliente – demorou um ano para propor a ação. Para o leigo, procurar o advogado já é “entrar na Justiça”.

A grande maioria dos advogados, na verdade, sabe apenas o básico para o exercício de sua profissão (ou nem isso) e acomoda-se na mediocridade, uma vez que, vedada a propaganda de seus serviços ou de suas qualificações acadêmicas, à prosperidade financeira ou à ascensão de um advogado em seu próprio órgão de classe, mais concorrem seus relacionamentos sociais – ou sua capacidade de burlar as regras para captação de clientela – do que sua competência técnica.

E, aliada à falta de conhecimentos mais profundos de Direito e das Ciências que lhe são conexas – e, certamente, também por causa desta ignorância -, há uma completa relativização dos padrões éticos no exercício da profissão.

Além das hipóteses já previstas em lei como litigância temerária ou de má-fé, seguem alguns exemplos de condutas comuns de advogados que tornam a Justiça mais morosa do que poderia ser, lembrando que, ao tornar um único processo mais lento, tomando inutilmente mais do finito tempo dos escassos magistrados e auxiliares da justiça, todos os demais processos são atingidos, em efeito cascata:

  1. dirigir a petição ao juízo errado (gera trabalho em dobro para o distribuidor e a prática de um ato desnecessário por um juiz);
  2.  não observar as condições da ação e os requisitos mínimos de uma inicial ou não juntar documentos essenciais à propositura da ação (gera o trabalho de um despacho a mais e perde-se tempo até a emenda e juntada dos documentos);
  3. juntar documentos desnecessários ou repetidos ou atravessar petições no momento processual inadequado (consome o tempo do juiz inutilmente); igualmente, juntar documentos ilegíveis e certidões desatualizadas;
  4. escrever de forma prolixa, ilógica, ou professoral, citando doutrinas e jurisprudências superadas, inaplicáveis ao caso ou, simplesmente (o que é mais comum), desnecessárias (alguns advogados imaginam que o juiz não sabe o que é uma ação de despejo ou uma ação de alimentos…), o que só serve para atrapalhar a leitura dos autos. E, quando se fala em prolixidade, não se está fazendo alusão a um ou dois parágrafos desnecessários, o que seria perdoável, mas a páginas e páginas inúteis;
  5. ajuizar (ou contestar) ações repetitivas como uma linha de montagem ou pastelaria, sem se preocupar em acrescentar ou suprimir os fatos conforme cada caso (consumindo mais tempo inutilmente dos juízes);
  6. requerer provas sem saber o que quer provar, nem para que serviria provar determinado fato (consumindo tempo para seu indeferimento ou, pior, quando falha o controle judicial, jogando o processo fora dos trilhos);
  7. requerer a gratuidade processual quando não é o caso (esquecendo que o empobrecimento da Justiça vai lhe atrapalhar em outro processo);
  8. cadastrar os nomes ou dados errados de seus próprios constituintes (absurdo dos absurdos, isso acontece em mais de 10% dos processos!);
  9. tentar executar o inexecutável, na esperança de que o devedor venha a ser contemplado com um bilhete premiado;
  10. não ter consciência cívica de que alguns atos são mais caros do que os benefícios que deles se pode extrair (e que Justiça Gratuita não significa “trabalho alheio que caiu do céu”, mas de tempo de servidores públicos que são pagos com o suor dos pagadores de impostos, tempo esse escasso, caro e finito, que fará falta a quem realmente precisa);
  11. não saber distinguir quando está em uma causa comercial, criminal, trabalhista ou de família;
  12. tomar tempo do juiz explicando verbalmente aquilo que deveria saber expressar com clareza e objetividade pela escrita e que, pior, muitas vezes sequer corresponde ao que está escrito;
  13. entrar em audiência sem ter conversado com o advogado da parte contrária sobre eventual acordo ou, pior, sem ter conhecimento dos autos;
  14. não fazer acordo antes do processo, para não perder os honorários do convênio da Assistência Judiciária Gratuita;
  15. usar formatações nas petições que dificultam a leitura, entre outras tantas pequenas coisas que, somadas, atrapalham o ritmo processual ou aumentam desnecessariamente o trabalho da Justiça.

IV – Para finalizar, deve-se indagar, também, se a crítica à morosidade da Justiça, quando parte dos advogados, é sincera ou tem algum interesse inconfessável por trás.

Note-se que o recesso do final de ano, assim como o novo Código de Processo Civil, que aumentou alguns prazos e determinou que sejam contados em dias úteis, foram festejados como uma grande conquista da advocacia, embora, evidentemente, só contribuam para tornar os processos mais lentos.

É a OAB paulista que se opõe à existência de um horário para trabalho interno das serventias judiciais, que muito agilizaria o cumprimento dos processos, exigindo atendimento das 09:00 às 19:00 horas, mesmo na era dos processos digitais.

Foi a OAB que se insurgiu contra a destruição de processos arquivados, sem interesse histórico (como despejos, cobranças etc.), obrigando o Tribunal de Justiça de São Paulo a gastar muito mais com a manutenção do arquivo, dinheiro que poderia ser melhor investido em informática, por exemplo.

Também é a advocacia que resiste sempre que se fala em diminuir o número de recursos ou restringir as hipóteses recursais, como se fosse possível uma Justiça rápida com quatro instâncias!

Basta, nesse último ponto, ver como foi evasivo o presidente da OAB/SP na entrevista acima mencionada, quando indagado sobre o excesso de recursos e instâncias: “toda a discussão é válida…”

Eis o problema político de ter de agradar a todos, pois parte da advocacia – e ouso dizer que a parte mais bem sucedida – se beneficia da morosidade da justiça: só sobram dedos para apontar para a Magistratura.

PARA MEDITAR SOBRE A JUDICIOCRACIA

Parte final de pequena palestra proferida pelo Desembargador Ricardo Dip na Universidade Católica de Santiago do Chile, com o título “Os direitos humanos do neoconstitucionalismo: direito natural da pós-modernidade?”:

“…lições da doutrina tradicional não parecem conciliar-se de modo plenário com a larga órbita de insegurança que, redundando já da hipertrofia dos princípios jurídicos, acresce da tarefa de sobredeterminação do direito que, de maneira ordinária, se confere aos juízes para, em cada caso mas para além de cada caso, serem a voz que supre o silêncio das regras e medidas.  Se ao juiz antes se conferia a última palavra para as soluções de direito no conflito casual, agora, em rigor, nunca se dispensa que toda definição jurídica sempre suponha a realidade ou a virtualidade da iurisdictio.  Já se pôde acaso antever: “…dónde no pueden intervenir jueces (disse Alvaro D’Ors), no hay tampoco derecho. De ahí que podamos definir el derecho como ‘aquello que aprueban los jueces’”. ,  Houve quem visse nessa orientação orsiana um rasgo de fenomenologismo, uma recorrência do protestantismo em geral e do pensamento de Calvino em particular, uma exorbitância do subjetivismo da criação judiciária do direito, comprometendo-se com isso a noção —tomista— de obiectum iustitiae.  Exagero ou não nessa acentuação crítica, o fato é que não parece se deva passar ao largo de que o próprio conteúdo de muitos dos princípios inseridos nas normativas contemporâneas exigiria prudente análise, sobretudo se se pensa num seu alguma vez propositado menosprezo do topos da tradição,  designadamente a cristã, a ponto de já acenar-se a uma cristofobia institucionalizada.

            Sem negar que, entre os princípios positivados, muitos há que traduzem, materialmente, as primeiras conclusões da lei natural, nem recusar que possam os juízes, a exemplo do que atuariam suficientemente com os tradicionais recursos da equidade e da gnome, manejar com senso de justiça os princípios normativos, ultrapassando o espartilho da mecânica da subsunção de uma “legalidade arqueológica”,  o fato é que, por sua mesma estruturação, o modelo legal do novo constitucionalismo, dele, parece, apenas poderá dizer-se que, só acaso, propiciará uma experiência iusnaturalista, quer por sua convivência com uma cultura de agnosticismo jurídico, quer ante a praxe de uma sobredeterminação que desborda os julgamentos de casos, quer, enfim, à conta de significados eticamente controvertíveis e politicamente revolucionários.   É muito impressivo, por exemplo, o fato de que, em nossos tempos, não falte, aqui e ali, numa pretendida esfera de princípios fundamentais, um “direito” de a mulher matar um inocente (i.e., praticar o aborto direto).

            Talvez, para ultimar esta pequena palestra, seja interessante observar que, ao cabo de alguns ensaios de praxis neoconstitucionalista, a intensa polarização de julgados levou, no Brasil, à instituição de mecanismos aptos a “regular os princípios” —ou seja, a, de fato, converter judicialmente a indeterminação dos princípios em textos regulatórios. Isso se opera, segundo a Constituição brasileira, mediante o efeito vinculativo e contra todos das decisões definitivas de mérito, proferidas pela Suprema Corte federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade,  bem como por meio da edição de súmulas dessa Corte com eficácia vinculante.  O resultado prático parecerá —por seu suposto geral e abstrato— a implantação de um plenário reino de regras, apenas que, em vez de vindas do Parlamento, ditadas, para empregar a expressão de Édouard Lambert, por um gouvernement des juges. De fato, se a palavra judicial de codeterminação do direito não se limita à situação do caso singular, mas tem uma inevitável vocação genérica, está-se diante de um governo de juízes: emerge aí o que Gérard Timsit designou “poder ventríloquo”, um poder que tende a falar por sua boca em lugar da lei… um poder vencido pela “tentação de ser ele próprio a lei, em vez de dizê-la”.

            A proposital indefinição normativa aparece nesse quadro rematada por uma tendência de estandardização jurídica: já se dizem e multiplicam normas sobre normas, para atender à ansiedade pelo uniforme. Se é isso, se é disso que se trata, estaremos já no domínio de um normativismo… mas então um normativismo privado do socorro de um Judiciário que ainda possa excepcionar casualmente, pela equidade e a gnome, umas normas cuja interpretação se faz uníssona e erga omnes. O remédio é muito pior do que a enfermidade.”

            (Santiago do Chile, outubro de 2007)

Zumbi de VAR-Palmares

Diz o Código Civil que não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. Todavia, pode-se conversar a respeito…

Na prática, quando o cadáver já cheira mal, mas teima em ser sepultado, pois mantido artificialmente por aparelhos (ou, em analogia mais apropriada ao nosso caso, por aparelhamentos), inevitável que os herdeiros comecem a medir o espólio.

No caso do Brasil, já se calcula a herança maldita decorrente de 13 anos de populismo irresponsável: um esqueleto de “apenas” 600 bilhões de reais, que tende a aumentar quando se tiver acesso aos dados não adulterados pela quadrilha[1].

Mas o inventário negativo da terra arrasada e da pátria espoliada não se limitará às questões econômicas, pois nem só de incompetência e corrupção vivia o cadáver, mas de nefandas palavras vindas das pestilentas bocas de Marx, Lênin et caterva. O abalo às instituições e os danos culturais são gravíssimos, sendo, agora, necessárias décadas para amenizar o estrago.

Sobre a corrupção, bradam os que se revoltam contra um imaginado pacta corvina, mas aplaudem o comprovado pactum sceleris: “- Já existia antes!”

Sim, existia, decerto. Mas nunca nos patamares atuais, nunca elevada ao status de instituição permanente da “democracia” (no sentido que lhe dão a de cujus e seu mentor), nem tampouco tombada como patrimônio cultural do povo brasileiro.

Diante da ameaça do cadáver insepulto de continuar – à margem da lei, como de costume – com os tentáculos agitados fora do túmulo (tal qual rabo de lagartixa), assombrando o país com o fumo de pneus queimados e charutos cubanos, em dimensões ou governos paralelos, é inevitável lembrar dos antigos filmes de zumbis comedores de cérebros humanos. Afinal, foi justamente corroendo a capacidade de pensar do povo, mediante lavagem cerebral nas escolas e universidades dominadas por doutrinadores de esquerda (além do incentivo ao uso de entorpecentes), que os mortos muito vivos se multiplicaram como ratos e se mantiveram vivos fazendo-se de mortos.

Merece nota uma curiosa variante no enredo dessa película macabra em que vivemos: tão temerosos são os vilões, que as combalidas esperanças da plateia recaíram sobre o mordomo do filme de terror…

Não basta, pois, tirar a zumbi sapiens e seus asseclas do poder: é preciso, com urgência, retomar as escolas e universidades das mãos dos filhos das trevas, para que parem de se multiplicar e o Brasil possa voltar “à luz do céu profundo, iluminado ao sol do novo mundo”.

[1] http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/heranca-maldita-do-pt-esqueletos-deixados-pelo-governo-dilma-podem-passar-de-r-250-bilhoes/

Audiência de Custódia

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA -voto vencido no Conselho Superior da Magistratura de São Paulo

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Conselho Superior da Magistratura
Processo SEMA 10.385/2016 –Voto RHMD 37.973

DECLARAÇÃO DE VOTO (post disceptationem):

Senhor Presidente:

1. Submete Vossa Excelência a este Conselho proposta de resolução, a expedir-se pelo egrégio Órgão Especial deste Tribunal de Justiça, concernente àquilo que se vem designando “audição de custódia”.

2. Compreendo, Senhor Presidente, o embaraçoso que há em ter de considerar-se implícita a admissibilidade jurídica desta resolução, à conta de que imperada a esta nossa Corte pelo colendo Conselho Nacional de Justiça.

3. Todavia, e sempre guardando o respeito que nunca deixo de tributar ao egrégio Conselho Nacional, persuado-me de que é caso de destinar-lhe reverente sugestão para que se reavalie a matéria, sustando-se, no interregno, a edição de nova correspondente medida administrativa nesta Corte estadual.

4. Durante mais de dez anos, Senhor Presidente, fui juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, que era, em número de magistrados, a maior Corte penal do mundo, e nessa Corte de Alçada tive a honra de conviver com o hoje Presidente do colendo Conselho Nacional, Ministro ENRIQUE RICARDO LEWANDOWSKI.

Não me lembra que, ao largo desses dez anos, o Tribunal de Alçada tenha, vez alguma, entendido afrontosa do Pacto de San José da Costa Rica a falta de designação da só agora ventilada “audiência de custódia”.

Pode ser −pode ser que entre os milhares de seus acórdãos, alguns houvera, respeitáveis, mas solitários, em que versada a questão−, pode ser assim, talvez, o que não impede seja um tanto dolorido conjecturar que a antiga maior Corte criminal do mundo tenha agora sobre si, e sem chance de defesa, queira-se ou não imputar-lhe isto de modo expresso, a pecha de não ter observado, ao largo de mais de 20 anos, um mandamento com, por alguns, admitido status normativo constitucional ou quase isto e de não ter garantido um dos destes ultimamente descobertos e controversos direitos humanos.

5. Está no prelo interessante estudo elaborado pelo Juiz paulista MARCELO ASSIZ RICCI, a cujos fundamentos me remeto, brevitatis causa, para dissentir do venerando entendimento adotado, na espécie, por este Conselho Superior.

6. Não me parece, de logo, que a discutida norma do Pacto de San José da Costa Rica tenha o sentido unívoco que lhe dá a resolução sob exame.

Lê-se ali, a propósito:

“Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo” (n. 5 do art. 7º).

A ideia de “outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais” não está, por evidente, a referir-se a um juiz de direito, porque tal o fosse não teria sentido falar em outra autoridade que possa exercitar funções judiciais. No caso brasileiro, esta “outra autoridade” é o delegado de polícia.

7. Para mais, entendo necessária a interpositio legislatoris para a concretização nacional desse preceito do Pacto de San José, e vislumbro que, com a resolução em exame, nosso Tribunal de Justiça, abraçando a tese controversa (por muito respeitável se entenda) de um garantismo material solum pro interclūsō, viria a adotá-la, no plano formal e paradoxalmente, por meio de uma tese oposta, qual a do ativismo judiciário, substituinte da atuação legislativa prevista na vigente Constituição federal.

Voto vencido, pois, cum magna reverentia à Douta Maioria, pois, por mim, elevava o tema à reapreciação do egrégio Conselho Nacional de Justiça.

É como voto.

Des. Ricardo Dip
Presidente da Seção de Direito Público do TJSP